A POLÍTICA DE BOA VIZINHANÇA E O BRASIL
A ousada criação de Roosevelt do Sistema Anti-entrópico de Bretton Woods
(original em ingles 6 de setembro de 2019)
por Richard Freeman
1 de setembro de 2019 — Este artigo é um alerta. Hoje enfrentamos uma crise financeira e econômica global, carregada de derivativos, de enormes proporções. Há uma saída para essa crise — uma solução — mas que só é possível se entendermos como chegamos aqui e a natureza dos erros que cometemos.
Muitas das crises econômicas e financeiras que vivemos nos últimos 48 anos, incluindo as crises de 1987, 2001 e 2008 — bem como a desindustrialização, a orgia da especulação financeira e agora, a crise explosiva de hoje — resultaram de decisões que Londres forçou o presidente Richard Nixon a tomar em 15 de agosto de 1971, decisões que levaram à abolição completa do Sistema Bretton Woods, como havia sido estabelecido por Franklin Roosevelt em 1944.
À medida que o atual sistema bancário transatlântico se aproxima do juízo final, encontramos mais uma vez o tema há muito negligenciado de "Bretton Woods" tornando-se um assunto de discussão, ocasionalmente referenciado com simpatia, mas mais frequentemente distorcido por porta-vozes de Wall Street e da City, em Londres, que tentam virar a história em sua cabeça usando o nome "Bretton Woods" para defender um regime monetarista ainda mais ditatorial, um sistema mais implacável de austeridade fascista e resgates financeiros. Há muita confusão sobre esses assuntos, e aqui tentaremos esclarecer o assunto e tratá-lo com sinceridade.
A intenção de FDR nunca foi simplesmente criar um "sistema monetário". Essa era a perspectiva oligárquica do britânico John Maynard Keynes. Para Roosevelt, assim como para Alexander Hamilton, questões monetárias e bancárias devem ser subordinadas à intenção de aumentar a produtividade humana e elevar a população. O objetivo é sempre o desenvolvimento econômico físico e o desenvolvimento ascendente do povo. Isso é absolutamente primário - e as políticas bancárias e de crédito são projetadas para servir a esse fim.
As origens reais de Bretton Woods podem ser encontradas na Política de Boa Vizinhança de Roosevelt, e especialmente na Missão Técnica dos EUA de 1942-43 no Brasil. Esta é uma história que foi obscurecida, deturpada e amplamente esquecida, mas é uma história de importância crucial. Aponta o caminho para a abordagem que deve ser adotada hoje.
A Comunidade do Princípio dos Bons Vizinhos
"No campo da política mundial, eu dedicaria esta Nação à política do bom vizinho", afirmou Roosevelt em seu discurso inaugural de 4 de março de 1933. Vários historiadores interpretam isso como uma grande cordialidade. Mas a ideia de Roosevelt é muito mais profunda. Essa ideia foi destilada na Missão Técnica dos EUA de 1942-43 para o Brasil.
Essa missão, juntamente com a construção paralela pelos EUA e pelo Brasil da revolucionária siderúrgica em Volta Redonda, (localizada no Estado do Rio de Janeiro), a partir de seu planejamento no final da década de 1930, foi o paradigma central do desenvolvimento colaborativo dos EUA na Ibero-América como um todo e floresceu no paradigma do desenvolvimento mundial das instituições de Bretton Woods no pós-guerra, como concebido por Roosevelt.
A intenção de Roosevelt para Bretton Woods foi, como ele repetidamente deixou claro, acabar para sempre com o sistema imperial britânico-francês-holandês e o genocídio que isso implicava. Em seu lugar, ele construiria um Grande Design, uma panóplia interconectada de infraestrutura em uma escala ainda desconhecida, com a transferência em massa de máquinas-ferramentas de alta tecnologia de todos os tipos para a Europa, Japão, mas, especialmente para o que, ainda era então, o mundo colonial.
Ele começaria, inicialmente, com a transformação de um grupo de cerca de uma dúzia de nações ibero-americana, mas, em última análise, a intenção era desenvolver ou reconstruir toda nação em todo continente, produzindo crescimento anti-entrópico que se reforça a si próprio. O financiamento seria proveniente de uma instituição multilateral de repúblicas soberanas, utilizando um sistema de crédito internacional hamiltoniano (em oposição a um sistema monetário monetarista), com crédito abundante e barato, a taxas de juros de 1-2%, suportado por uma reserva de ouro, com sistema de taxa de câmbio fixa e provisão – nos primeiros rascunhos do Secretário do Tesouro Assistente dos EUA Harry Dexter White – para os países em desenvolvimento aplicarem controles de capital e tarifas que protegessem suas novas indústrias e evitassem pilhagens.
A Missão Técnica dos EUA de 1942-43 no Brasil foi o paradigma para o desenvolvimento humano do sistema de Bretton Woods, com sua característica abrangente: a transformação físico-científica desses países. No outono de 1942, Morris Llewellyn Cooke, um dos aliados mais próximos de Roosevelt, que liderou muitos dos mais importantes programas do New Deal (e que é virtualmente desconhecido hoje), liderou uma equipe de 12 outros engenheiros e cientistas dos EUA no Brasil, onde se juntaram a uma equipe de mais de 100 cientistas e engenheiros brasileiros que os esperavam, e com os principais líderes desse país. A ideia era única: duas nações - o Brasil subdesenvolvido e o industrializado EUA - juntos por meio de uma série de pesquisas, discussões e planejamento direcionariam a acelerada transformação de uma economia inteira, sua força de trabalho e portanto, sua população e sociedade, para beneficiar brasileiros, e secundariamente, servir como uma prova de prova de princípio.
Pela primeira vez, talvez para qualquer nação na história, os Estados Unidos Estados voluntariamente transferiam não apenas bens, mas sua ciência e tecnologia, em pacotes tecnológicos científicos inteiros, a baixo custo ou, em vários casos, sem ônus para a nação brasileira. Este princípio científico-tecnológico seria infundido diretamente na economia e na mente brasileiras, e seria implantado para atualizar todos os principais setores brasileiros de fabricação, infraestrutura e agricultura. Durante décadas o economista Lyndon LaRouche repetidamente afirmou isso como princípio fundamental para desenvolver o terceiro mundo.
A Missão Técnica dos EUA planejou explicitamente eletrificar o Brasil. Um foco era construir uma “TVA brasileira”nota 1 no vale do rio São Francisco, usando as cataratas do rio para gerar energia hidroelétrica e desenvolver todo o vale. Outro plano seria transformar o transporte, com a dragagem e a conexão dos rios Orinoco e Negro e, em seguida, conectá-los ao poderoso Amazonas e aos sistemas fluviais do Prata. Ao mesmo tempo, colocaria dezenas de milhões de brasileiros fora da pobreza, elevando seus padrões de vida, com ênfase especial na nutrição e ingestão de proteínas, saúde, moradia e o nível educacional-tecnológico da força de trabalho. Seria expandir as forças cognitivo-produtivas do trabalho.
O relacionamento não era unilateral, mas profundamente colaborativo. Líderes destacados do Brasil – o Presidente Getúlio Vargas, apelidado de "Pai dos Pobres"; o Ministro das Relações Exteriores Osvaldo Aranha; o coordenador de Mobilização Econômica do Brasil, João Alberto Lins de Barros; e outros da tradição patriótica de desenvolvimento intelectual do Brasil - tiveram dezenas de propostas, baseadas em projetos que eles desejavam desenvolver por décadas. Eles estavam empolgados por terem agora os meios, como repúblicas colaboradoras, para realizarem esses projetos.
O Método de Roosevelt
Roosevelt - que escreveu sua tese sobre o papel do pensamento econômico filosoficamente dirigista de Alexander Hamilton, e sobre suas ações ao estabelecer a República Americana - tinha entendido e adotado a opinião de John Quincy Adams, expressa na Doutrina Monroe de 1823, que os Estados Unidos e a Ibero-América deveriam estabelecer no Hemisfério Ocidental uma comunidade a base do princípio da perfeita soberania de estados-nação.nota 2 Essa ideia foi elaborada com a implícita, e então explícita, ideia de desenvolvimento físico conjunto.
No início do século XX, o primo mais velho de FDR, presidente Teddy Roosevelt (presidente de 1901-09) e o Presidente Woodrow Wilson (presidente de 1913-21) despedaçaram a Doutrina Monroe, lançando uma dúzia de intervenções militares no México, na América Central e no norte da América do Sul para cobrar dívidas, em grande parte em nome dos britânicos e de nações europeias. Enviaram fuzileiros navais dos EUA para cobrar dívidas de direitos aduaneiros. Essa política deplorável, conhecida como Diplomacia do Dólar, persistiu por um terço de século (1901-33).
Roosevelt decidiu interromper o debate nacional resgatando esta questão fundamental. Denunciou a Diplomacia do Dólar e trouxe de volta à nação, a política de Quincy Adams. Num artigo da edição de julho de 1928 da revista Foreign Affairs, intitulado "Nossa política externa: uma visão democrática", Roosevelt lançou um desafio, afirmando: - “Nós devemos admitir... que o mundo exterior quase unanimemente nos considera com menos boa vontade hoje do que em qualquer outro período. Isso é sério, a menos que tomemos a posição deliberada de que o povo dos Estados Unidos não deve nada ao resto da humanidade e não se importa nada com a opinião dos outros, desde que nossas costas marítimas sejam inexpugnáveis, e nossos bolsos estejam cheios.
Uma análise de nossa própria história refuta a acusação de que esse espírito egoísta é o verdadeiro espírito americano. Nos debates durante a Guerra da Revolução e nas longas discussões imediatamente anteriores à adoção da Constituição, estava claro que um pensamento cuidadoso estava sendo dado a todas as formas concebíveis de governo, na esperança de que o quê os Estados Unidos finalmente adotaram possa servir de modelo para outros povos, especialmente no que diz respeito ao espírito que deve governar as relações de um estado com outro.” (ênfase adicionado)nota 3
Roosevelt apelou ao abandono do uso de fuzileiros navais na América Central, e afirmou: “Chegou o momento em que devemos aceitar muitos e novos princípios de uma lei superior, um novo e melhor padrão de relações internacionais. Somos extremamente ciumentos de nossa própria soberania e é justo que respeitemos a abordagem de um sentimento semelhante entre outras nações. Os povos de outras repúblicas deste mundo ocidental também são patriotas, são orgulhosos de sua soberania. Muitas dessas nações são grandes, ricas e altamente civilizadas. A paz, a segurança, a integridade, a independência de cada uma das Repúblicas Americanas interessam a todos os outros, não apenas aos Estados Unidos.” (ênfase adicionada)
Ele conclui seu artigo de 1928: “Podemos apontar o caminho mais uma vez para a redução de armamentos; nós podemos cooperar oficial e calorosamente com cada agência que estuda e trabalha para aliviar os males comuns da humanidade; e podemos sempre renunciar à prática de intervenção arbitrária nos assuntos internos de nossos vizinhos. É o espírito, senhor, que importa.” (ênfase adicionada)
Soberania Nacional para Todos
Assim, Roosevelt enunciou o princípio da soberania nacional como objetivo estratégico do que se tornaria a Política do Bom Vizinho, quatro anos antes de ele se tornar Presidente.
Mais tarde, em seu discurso inicial em 4 de março de 1933, Roosevelt esboçou o perfil de sua política.
Em dezembro de 1933, ele instruiu o Secretário de Estado, Cordell Hull, em suas declarações na Sétima Conferência Internacional dos Estados Americanos, realizada em Montevidéu, Uruguai, a renunciar à política de intervenção armada nos países vizinhos, o que foi firmado como um acordo naquela conferência. Este foi um golpe brilhante.
Reconhecendo a reversão de 180 graus das políticas de Teddy Roosevelt e Woodrow Wilson, o grande secretário de Relações Exteriores do México, José Manuel Puig Casauranc, concluiu: “Desejo demonstrar minha profunda convicção de que existe na Casa Branca um admirável, nobre e bom homem - um homem corajoso." Embora surpresos com o que os EUA fizeram, alguns outros líderes ibero-americanos também elogiaram o presidente estadunidense.
Em 1935, Roosevelt começou a montar uma equipe que faria uma mudança estratégica para um novo paradigma e implementaria o desenvolvimento físico-econômico para os países do terceiro mundo. Elaboria planos, principalmente para Brasil e outras nações vizinhas da Ibero-América, e depois aplicaria o conhecimento adquirido às nações ao redor do mundo. Os EUA também tiveram uma preocupação estratégica muito direta e crescente com a considerável influência da Alemanha de Hitler, Espanha de Franco e Itália de Mussolini que se espalhava pela Ibero-América.
A liderança de Roosevelt veio à tona: um coluroso senso de humor às vezes mordaz, com brincadeiras criativas; e por trás, um férreo compromisso interno para mobilizar uma nação numa missão nacional de propósito transcendente.
Roosevelt atraiu pessoas criativas – pensadores não ortodoxos que não teriam durado uma semana em outra administração – mas que floresceram sob a dele. Esta equipe – que nunca foi oficialmente designada como equipe – consistia no Secretário Assistente do Tesouro Harry Dexter White; Subsecretário de Estado Sumner Welles; Morris Llewellyn Cooke; Vice Presidente Henry Wallace; Diretor da Divisão Sul-Americana do Departamento de Estado, Laurence Duggan; Presidente da Reconstruction Finance Corporation e depois Administrador Federal de Empréstimos, Jesse Jones; Harry Hopkins; Secretário do Tesouro Henry Morgenthau; William Clayton; Secretário da Marinha (1913-21), e depois Embaixador dos EUA no México (1933-41), Josephus Daniels; e o Secretário de Estado Adjunto para Assuntos da América Latina, A.A. Berle.
Roosevelt e LaRouche
Há uma rica conexão entre a contribuição de Lyndon LaRouche e Roosevelt. LaRouche fez um avanço fundamental em 1948-52, que o descobrimento científico e a criatividade humana, através da máquina-ferramenta e seu maquinário análogo, geram aumento de produtividade e das forças produtivas de trabalho. Para LaRouche, produtividade não significava um aumento linear no resultado em si, embora não o diminuísse, mas saltos não lineares para plataformas mais altas de desenvolvimento e crescimento anti-entrópico, maior densidade de fluxo de energia e maior potência e eficiência para o avanço da humanidade. Esta é a fonte da economia e os alicerces de um novo Bretton Woods. Franklin Roosevelt não estava vivo para conhecer as características únicas e mais abrangentes da inovação de LaRouche. Mas ao fazer algo grandioso para o benefício da humanidade, sua ideia, legitimamente, aproximou-se daquele conceito.
I. A Missão dos EUA de 1942-43 no Brasil
Para liderar a Missão de 1942-43, Roosevelt escolheu um de seus aliados mais confiáveis, Morris Llewellyn Cooke, que chefiou vários dos programas mais importantes da sua administração.
Cooke era uma dessas pessoas – como Josephus Daniels, Laurence Duggan, A.A. Berle – que não era uma "estrela", pelo menos não aos olhos dos historiadores, a maioria dos quais não os identificariam na multidão, mas que formaram a espinha dorsal da administração.
Por três décadas, Cooke resolutamente eletrificou e industrializou aos EUA. Ele formou-se como engenheiro mecânico e se tornou um engenheiro industrial e hidráulico muito qualificado. De 1911 a 1915, Cooke atuou como diretor do Departamento de Obras Públicas da Filadélfia. No período de 1923 a 1925, Cooke dirigiu a pioneira pesquisa de energia (Giant Power Survey) na Pensilvânia para o governador, Gifford Pinchot. A conclusão da pesquisa propôs estender a energia elétrica para todas os lares do estado, na área rural e urbana, com tarifas a preços razoáveis.Determinou que, se as concessionárias especuladoras de propriedade privada não fizessem isso, elas seriam colocadas sob significativa regulamentação governamental, a fim de garantir a conformidade.
Franklin Roosevelt e Cooke tornaram-se bons amigos durante o segundo mandato de FDR como Governador de Nova Iorque, 1930-32, quando Roosevelt trabalhou intensamente num projeto caro a seu coração, o quarto dos "Four Corners Projects", que se tratavam da construção da hidrovia do rio St. Lawrence, o rio que corre entre o Canadá e os Estados Unidos da América. Roosevelt queria trazer um contínuo fluxo de água e tráfego de navios desde o Oceano Atlântico até os Grandes Lagos, e obter a hidroeletricidade das quedas – tais como as Cataratas do Niágara – que caem no rio. Queria também desenvolver uma "bitola" para definir o custo real de um quilowatt de eletricidade. Roosevelt contratou Cooke como consultor de pesquisa, mas Cooke logo foi dando uma visão e sugestões de política.
Cooke foi um defensor apaixonado e persistente da eletrificação rural. Em 1935, Roosevelt nomeou Cooke como o primeiro diretor da Administração de Eletrificação Rural, um programa destacado do New Deal, no qual a capacidade de Cooke transformou a agricultura dos EUA e a vida das pessoas no meio rural, trazendo eletricidade, pela primeira vez, às casas dos agricultores e às suas operações agrícolas.
Em 1936, a pedido de Roosevelt, Cooke presidiu a Terceira Conferência Mundial sobre Energia, realizada em Washington, D.C., atraindo delegados de nações de todo o mundo. A conferência desenvolveu uma perspectiva de desenvolvimento mundial, discutindo como construir novos e maiores potenciais de energia para as nações em cada região do mundo. Aí Cooke conheceu líderes de toda a Ibero-América.
Em 1942, Roosevelt designou Cooke, então com 70 anos de idade, para liderar a Missão Técnica dos EUA no Brasil, o coração da Política do Bom Vizinho e ponta de lança para o desenvolvimento da Ibero-América como um todo. Ele tinha todas as qualificações para ajudar a construir em conjunto uma nação.
Prelúdio: O Desenvolvimento do Brasil, 1938-42
A colaboração físico-econômico Brasil-EUA foi estabelecida como um trampolim desde 1936-37. Em 1938, o governo brasileiro deu a aprovação final para construir o Usina de Volta Redonda, no Rio de Janeiro, conforme comunicado a Washington. Projetos para o desenvolvimento ferroviário foram discutidos. O ritmo do planejamento EUA-Brasil acelerou.
Em 19 de setembro de 1939, Henry Dexter White, diretor de Pesquisa Monetária do Departamento do Tesouro dos EUA, enviou um memorando interno do Departamento do Tesouro ao seu chefe, Henry Morgenthau, intitulado "Propostas Específicas Para A Imediata Cooperação Estados Unidos-Brasil". É um plano integrado para desenvolver o Brasil. Neste contexto, o leitor apreciará a sua natureza de longo alcance.
O memorando tinha quatro partes. A primeira parte propunha um empréstimo de estabilização monetária de 50 milhões de dólares em ouro, para ajudar o Brasil a estabilizar a sua moeda. A segunda parte propôs um crédito rotativo de 50 milhões de dólares emitido pelo Banco de Exportação-Importação dos EUA destinados aos exportadores dos Estados Unidos, para que estes pudessem exportar bens, especialmente bens de capital, para empresas do Brasil. A parte três do memorando é intitulada “Crédito Especial de 100 milhões de dólares para compra [pelo Brasil] de material rodante e equipamentos para ferrovias nos Estados Unidos para reconstrução do Sistema Ferroviário Brasileiro”. A quarta parte do memorando é um verdadeiro sucesso, baseada na terceira parte. Tem o título: "A implantação imediata de um estudo geográfico, econômico de de engenharia, emprendido de maneira detalhada e conjunta entre os EUA e o Brasil, de projetos a longo prazo para o desenvolvimento do Brasil".
A discussão dos elementos físicos deste memorando avançou e recuou entre Brasil e Estados Unidos do final de 1937 até princípio de 1939. O memorando propunha:
Com base na informação disponível, parece haver um grande potencial para o desenvolvimento de projetos a longo prazo na seguinte base:
a. Os Estados Unidos financiam as compras pelo Brasil de maquinário, materiais e competências técnicas nos Estados Unidos...
c. Controle econômico final das empresas fica nas mãos do governo brasileiro ou de brasileiros natos.
A próxima seção foi:
O sistema de transporte - construção de novas linhas ferroviárias estratégicas no Brasil:
(1) A construção de uma ferrovia de 1500 milhas norte-sul através do interior de Brasil que abriria os recursos da vasta planície brasileira.
(2) Construção de uma ferrovia para trazer os valiosos depósitos de minério de ferro de Itabira [uma cidade no estado de Minas Gerais] até a orla marítima.
(3) A construção de uma ferrovia para conectar Brasil a Bolívia.
(4) Captação de capital pelo governo brasileiro para comprar a linha ferroviária de propriedade britânica ...
(5) Um programa a longo prazo para a construção de rodovias em coordenação com o sistema ferroviário.
A construção de uma marinha mercante para o tráfego costeiro e fluvial e a melhoria do transporte fluvial através do interior.
b. O desenvolvimento dos Recursos Hídricos do Brasil.
Atualmente, o Brasil importa uma grande quantidade de carvão da Inglaterra para produzir a energia elétrica necessária. Nenhuma tentativa séria ainda foi feita para aproveitar as hidrovias brasileiras com o objetivo de desenvolver recursos energéticos.
c. O desenvolvimento de uma indústria de ferro e aço no Brasil baseada nos ricos depósitos de ferro em Itabira e exportações de carvão dos Estados Unidos.
d. O desenvolvimento da produção agrícola complementar.nota 4 (ênfase adicionada)
Este surpreendente memorando de planejamento de longo alcance tem escopo abrangente: construir redes de ferrovias, uma frota mercante para transporte de produtos, rodovias, geração de energia hidrelétrica, produção de ferro e aço e desenvolvimento agrícola. Muitos desses planos, como para ferrovias e aço, eram baseados em projetos concretos, que já haviam sido examinados e parcialmente elaborados.
Assim, a Missão Técnica dos EUA de 1942-43 para o Brasil não estava criando uma missão totalmente nova, mas veio para implementar, fortalecer e elevar a outro nível um trabalho que foi concebido e em andamento de modo limitado, quando Cooke e sua missão de planejamento chegaram ao Rio de Janeiro no final do outono de 1942.
Trabalhando no Brasil
Morris Llewellyn Cooke e seu equivalente como chefe da Missão Técnica Brasileira, João Alberto Lins de Barros, Coordenador da Mobilização Econômica do Brasil, concluíram que os múltiplas problemas, todos decorrentes da falta de desenvolvimento, não poderiam ser resolvidos por reformas lentas e fragmentadas. Apenas métodos unificados de cima para baixo funcionariam, desde que substituíssem o subdesenvolvimento pelo desenvolvimento sistêmico, guiado pela transferência de pacotes científico-tecnológicos.
O Brasil constituía 48% do território da Ibero-América, e já era a décima nação mais populosa do mundo, mas estava marcado pelo analfabetismo, desnutrição e vasta pobreza.
O plano era arrancar a economia brasileira de seu passado estático e empurrá-la para uma nova dimensão. Expressando tal perspectiva e propósito, Cooke e Lins de Barros escreveram em 1º de dezembro de 1942 uma “Declaração de Missão” dirigida aos Presidentes Roosevelt e Vargas.nota 5
Sua perspectiva filosófica era revolucionária, e sua adequação para aplicação hoje é tremenda.
O memorando Cooke-Lins de Barros retomou o memorando escrito em 19 de setembro de 1939 por Harry Dexter White, funcionário do Tesouro dos Estados Unidos, citado acima.
O memorando Cooke-Lins de Barros apelava enfaticamente à rápida eletrificação e ao desenvolvimento e expansão da própria indústria nacional do Brasil, abrangendo todos os tipos de manufatura. Declarava:
Os centros industriais [do Brasil] estão cercados por um campo no qual os vagões e carros de bois são em maior número do que os automóveis. . . As estradas, ferrovias e a capacidade de geração de energia elétrica do Brasil são relativamente limitadas. . . As bitolas das ferrovias brasileiras diferem, de modo que nem todos os vagões podem passar por todas as vias; e as frequências de sua corrente elétrica também variam, de modo que as centrais elétricas não podem ser geralmente interligadas.
Algumas indústrias que conosco [os Estados Unidos] ocupam posições estratégicas são simplesmente inexistentes lá. A maior indústria do Brasil – têxteis - necessita quase 100% de modernização, especialmente nas máquinas e equipamentos.
(A produção têxtil e de vestuário constituía a maior indústria do Brasil, mas utilizava máquinas que eram de 40 anos atrás, naquela época).
O memorando afirmava:
Desenvolvimentos tecnológicos recentes, especialmente na produção em larga escala e na transmissão de energia elétrica a longa distância, selaram a perdição do típico comércio internacional século 19 [britânico], no qual os países mais fortes e altamente desenvolvidos transportavam matérias-primas a grandes distâncias para o país preponderante para serem fabricadas e depois enviavam os produtos acabados para os quatro cantos do mundo, onde eram vendidos com lucros generosos a pessoas que não estavam em condições de fazer sua própria fabricação. Hoje, a tecnologia e a ampla disponibilidade de energia elétrica podem mudar tudo isso. O Brasil deve planejar fazer o máximo de sua própria fabricação, o que for economicamente viável e o máximo possível perto do ponto de origem de suas matérias primas. Isto é muito diferente... das teorias bombásticas do desenvolvimento industrial baseadas no direito de uma nação de dominar a vida de outros povos por causa de uma suposta superioridade de raça. (ênfase adicionada).
Além disso:
Quaisquer que sejam as atividades que possam ser empreendidas no sentido de orientar nosso vizinho utilizando a abundância de nossos conhecimentos e experiência tecnológica, devem ser de natureza a auxiliar no desenvolvimento de planos brasileiros. (ênfase adicionada)
Anteriormente, Cooke havia presidido a Conferência Mundial de Energia de 1936, que discutiu como construir vastas novas fontes de geração de energia para as nações de cada região do mundo. Como primeiro diretor da Administração de Eletrificação Rural dos Estados Unidos, em 1935, Cooke foi pioneiro no encadeamento de linhas elétricas através das vastas áreas rurais dos Estados Unidos, comparável às distâncias no Brasil.
A segunda parte da abordagem da declaração da missão Lins de Barros-Cooke e do Relatório Final da Missão Técnica dos Estados Unidos, são seus planos e suas realizações. Isto é volumoso, com planos muito detalhados para serem apresentados aqui. Mas cinco áreas críticas do projeto são um microcosmo desdobrando o macrocosmo do plano da Missão como um todo.
Ao olhar cada uma das cinco áreas do projeto, o leitor deve ter em mente que, ao atacar o profundo atraso, deve-se selecionar e atacar áreas fundamentais da manufatura, agricultura e infraestrutura, cuja significativa mudança científica irá acelerar a transformação de toda a economia; em segundo lugar, que, por melhor que cada uma das cinco seja, cada uma opera como parte de um todo integrado.
Plano 1: Transformar o Vale do São Francisco em um TVA
O rio São Francisco tem 1.760 milhas (2.832 km) de extensão, cobrindo uma bacia de 247.000 milhas quadradas (397.500 km2). É o terceiro maior rio brasileiro, superado apenas pelo Amazonas e pelo Prata-Paraguai.
Cooke pinta um quadro do rio ao chegar a um ponto abaixo de Juazeiro, no estado da Bahia. Começa assim:
... as regiões de corredeiras e quedas; depois o rio cai entre 800 e 900 pés, e por fim descarrega em Paulo Afonso, uma das quedas mais altas do Brasil. O potencial elétrico dessas grandes cataratas foi estimado em pelo menos 1.000.000 de cavalos de potência.
Cooke então cita um observador americano:
As quedas de Paulo Afonso, merecidamente estão colocadas entre as maiores cataratas do mundo. Em altura e volume de descarga, a queda principal é de 195 pés (59,3 metros) e 85.000 pés cúbicos (25.908 m3) por segundo, é provavelmente a maior potência unitária concentrada no mundo.
O americano que vasculhou as quedas, documentou o imenso potencial de desenvolvimento do São Francisco:
O São Francisco é um grande rio, comparável aos grandes rios do mundo. Seu vale oferece superfície irrigável de dimensões tão grandes como a área cultivada do Egito. Sua inundação anual, como a do Nilo, aquele outro grande rio que flui ao norte dos cinco continentes, cobre suas margens com rico sedimento aluvial a cada ano, a uma largura de 10 a 20 milhas (16 a 32 km) ao longo de um curso de mais de 1.600 quilômetros, desde as montanhas em sua nascente até as terras baixas do mar.nota 6 (ênfase adicionada)
O São Francisco também teria um imenso potencial hidroelétrico, que logo seria o lar de milhares de fazendas e fábricas.
Assim, em 1945, com a Tennessee Valley Authority (TVA) dos EUA como modelo, o Brasil formou a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) para dirigir a construção de represas no rio São Francisco, na localidade de Paulo Afonso. Em 15 de janeiro de 1955, o Presidente brasileiro Dr. João Café Filho inaugurou a Unidade nº 1 de Paulo Afonso. Várias outras unidades foram posteriormente construídas. Hoje, o Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso possui 23 unidades operacionais, com capacidade de geração de 4,28 megawatts (5,7 milhões de cavalos de potência).
Plano 2. Dezenas de milhões de Kilowatts: Eletricidade
Com base na necessidade de eletrificar o Brasil, Morris Cooke escreveu:
A importância do desenvolvimento da energia hídrica do Brasil não pode ser exagerado. A menos que a eletricidade produzida a partir da energia hídrica, a hidroeletricidade, possa complementar o fornecimento de carvão de baixa qualidade no Brasil, não se fundem metais suficientes, não se consegue fazer estradas de ferro, não se consegue construir máquinas suficientes, não se consegue tecer tecidos suficientes, e não se pode fazer papel suficiente, para levar a cabo os planos dos nossos dois países, quer para a emergência da guerra, quer para as necessidades de paz.
Acontece que um pioneiro, se não o principal pioneiro, que liderou o desenvolvimento da energia hidrelétrica no Brasil foi um americano, Asa White Billings, que era engenheiro hidrelétrico. Billings se estabeleceu no Brasil em 1922 e lá viveu por anos, exceto os últimos meses de sua vida, antes de sua morte em 1949.
Um projeto notável, exemplificando seu trabalho e iniciando a era da energia hidroelétrica no Brasil: começando em 1927, Billings planejou e supervisionou a construção de uma represa no rio Grande (hoje conhecido como rio Pinheiros) em São Paulo, que represou e reverteu os múltiplos riachos na área de São Paulo. Concluída entre 1935 e 1937, criou uma imensa barragem de 49 milhas quadradas (127 km2) de reservatório que, tirando proveito de uma queda de 600 pés (183 m) produziu energia hidrelétrica para a nascente base fabril de São Paulo, o maior centro industrial do Brasil.nota 7
O objetivo de Morris L. Cooke, que conhecia Billings, era levar o trabalho de Billings ao projeto do complexo hidrelétrico Paulo Afonso no Vale do São Francisco, que ainda era um sonho nos olhos dos planejadores, para eletrificar todo o Brasil substituindo a roda d'água, correias e polias movidas a vapor nas fábricas do Brasil - para levar eletricidade para as fazendas e lares.
Cooke também buscou eletrificar as ferrovias do Brasil, um avanço tecnológico. Ele escreveu:
Hoje, [o Brasil] tem a vantagem sobre [os Estados Unidos], porque os dias da dependência das ferrovias a carvão estão passando. Os brasileiros não precisam mais depender daquela longínqua era estabelecida pelo uso do carvão; eles podem usar energia elétrica em seu lugar.nota 8
Este impulso importante de Cooke, e de vários brasileiros, produziu resultados notáveis: o Brasil hoje é o oitavo maior país produtor de eletricidade do mundo, com 590.900 gigawatt-hora anualmente, apenas 63.000 GWh atrás da Alemanha. O Complexo Hidrelétrico de Itaipu, com capacidade instalada de geração de 14 megawatts, é a segunda maior barragem de geração de eletricidade do mundo, superada apenas pela barragem das Três Gargantas na China. Setenta e dois por cento da eletricidade do Brasil provém da geração hidrelétrica, alimentando a oitava maior economia do mundo. Atualmente, alguns brasileiros veem a necessidade de expansão da energia nuclear também.
Plano 3. Dando um Futuro ao Brasil
Os impérios britânico e português procuraram manter o Brasil, e inúmeros outros países, subjugados como atrasados estados produtores de matérias-primas. Cooke e os Estados Unidos, procuraram fazer o Brasil desenvolver a sua própria base industrial - duas visões irreconciliáveis do mundo.
Em nome da Missão Técnica dos EUA no Brasil, Cook declarou:
O progresso industrial moderno é medido pelo grau em que a máquina é capaz de substituir o trabalho do homem na produção de artigos úteis. Este conceito é um desafio à inteligência, imaginação e engenhosidade dos executivos e engenheiros da indústria. A função do engenheiro é analisar o processo de produção com o objetivo de constantemente reduzir a volume de esforço humano envolvido.
A Missão começou com a, então, maior indústria do Brasil: têxteis e vestuário, embora no futuro, com o Brasil desenvolvido, não seria a mais importante. Propôs-se a conversão para teares automáticos.
O relatório de estudo da missão tem centenas de páginas, contendo planos detalhados de como modernizar a base industrial, agrícola e mineral do Brasil, incluindo a fabricação de carbonato de sódio, a produção de alumina a partir da bauxita e o uso de novas tecnologias para produzir tungstênio, cromo, borracha e produtos químicos diversos.
O relatório propôs a introdução de indústrias modernas que nem sequer existiam no Brasil. No seu conjunto, o relatório tinha planos para dezenas de indústrias.
Dois comunicados escritos em outubro de 1942 por Frank Hodson, o engenheiro metalúrgico especialista da Missão Técnica dos EUA no Brasil, mostram como a operação foi conduzida. Num comunicado, Hodson instrui pessoas para contactar o diretor de uma empresa de máquinas-ferramentas em Nova Iorque, que ele conhece, para enviar uma máquina pulverizadora Simplex para o Brasil, em ritmo acelerado.nota 9 Engenheiros brasileiros estavam sendo formados. Estes não eram planos hipotéticos: eram planos práticos.
Plano 4: Conectando os rios Negro e Orinoco
Em 22 de novembro de 1942, um engenheiro consultor americano, Dudley South enviou um comunicado ao embaixador no Brasil, Jefferson Caffrey, informando que o presidente Vargas ficou intrigado com uma proposta “para abrir a ligação fluvial natural entre os rios Rio Negro e Orinoco para permitir o tráfego de barcaças e barcos fluviais em águas rasas.” Na chegada do engenheiro South ao Rio de Janeiro, vindo da Venezuela, ele foi recebido no aeroporto —
pelo Sr. Cyro Aranha, que me levou ao escritório do Dr. Oswaldo Aranha [Ministro das Relações Exteriores do Brasil]. Dr. Oswaldo Aranha passou cerca de duas horas discutindo o projeto de melhoria do rio comigo. Ele tinha mapas completos e se expressou muito interessado na conexão Rio Negro-Orinoco, bem como pelo valor estratégico e econômico para Brasil da abertura para os rios ao sul do país.
Em seguida, o engenheiro South foi levado para "ver Dr. Joa Alberto em sua casa". O Dr. Joa Alberto era João Alberto Lins de Barros, diretor de Mobilização Econômica do Brasil, e homólogo de Morris L. Cooke, que coescreveu a Declaração da Missão Cooke-Lins de Barros. South escreveu que "o Dr. Alberto me manteve de 4 horas até às 7 horas de um sábado à tarde", discutindo a ligação dos rios Negro e Orinoco. Lins de Barros marcou então uma reunião com o engenheiro South e Morris L. Cooke sobre o tema "da conexão da hidrovia rio Negro-Orinoco."nota 10
Os brasileiros continuaram a pressionar para aprofundar a proposta, e eventualmente surgiu uma proposta para ligar os rios Negro e Orinoco, com a intenção de uma ligação aos poderosos rios Amazonas e Prata, um projeto padrão Carlos Magno.nota 11 Isso mostra igualmente que a Missão Técnica EUA-Brasil recebeu contribuições extensas e significativas do Brasil, como aconteceu em muitas áreas, e foi verdadeiramente uma missão de colaboração.
Plano 5. Plano Revolucionário para uma Gigantesca Siderúrgica em Volta Redonda
A construção da usina siderúrgica de Volta Redonda representa uma conquista culminante nas relações Brasil-EUA; e condição essencial, como o presidente Vargas defendia desde 1931, para a industrialização do Brasil. Até então, o Brasil produzia produtos siderúrgicos utilizáveis apenas por indústrias de fabricação leve, nada mais pesado. Tinha uma capacidade de produção de lingotes de aço inferior a 200.000 toneladas. Foi criada a Comissão Executiva Brasileira do Aço para conceber o projeto da construção. Mais uma vez as relações Brasil-EUA entraram em jogo. Para avaliar o plano, a comissão brasileira trouxe o Sr. William Haven, vice-presidente da Companhia de Engenharia Arthur G. McKee, baseada nos EUA.
Isso levou o presidente Vargas, em janeiro de 1941, a instituir, por decreto, a estatal Companhia Siderúrgica Nacional. Escolheu como sede Volta Redonda, que fica às margens do rio Paraíba, situada a 145 km (90 milhas) do Rio de Janeiro e 300 km (200 milhas) de São Paulo. Minério de ferro de alta qualidade seria trazido de jazidas de milhares de milhões de toneladas desse minério, localizadas no estado de Minas Gerais, a 385 km (240 milhas) de distância. Utilizaria carvão metalúrgico brasileiro e americano, utilizado para a coquefação. Usaria manganês, calcário e dolomita, tudo obtido dentro de um razoável raio da planta. Isto exigiria a modernização total e a construção de novas ferrovias, como citado anteriormente neste relatório.
Apesar do seu entusiasmo, o Brasil teve um obstáculo: não havia o capital de investimento para construir a siderúrgica. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Oswaldo Aranha, foi enviado para Washington em 1939, onde se reuniu com o Subsecretário de Estado Sumner Welles. Os dois reuniram-se então com o Administrador Federal de Empréstimos, Jesse Jones. Em setembro de 1940, um acordo foi firmado: o Banco de Exportação e Importação dos Estados Unidos emprestaria ao Brasil 45 milhões de dólares do total de 65 milhões de dólares dos custos totais de construção da siderúrgica - dois terços do custo total. Os empréstimos se tornaram efetivos em 22 de março de 1941.
Isso permitiu que o Brasil começasse a comprar dos Estados Unidos todos os bens de capital para a siderúrgica: maquinário pesado e equipamentos para construir fornos de coque, altos-fornos, uma planta de forno aberto, um laminador, um trilho e moinho estrutural, um moinho de chapa grossa e moinhos de fitas a quente e a frio. A abundante energia elétrica seria fornecida para a planta pela Brazilian Traction, Light and Power Companynota 12, a empresa onde o engenheiro hidráulico americano, Asa White Billings tinha um papel de liderança.
Orgulho Imensurável
É difícil medir o orgulho que os brasileiros sentiram pela construção dessa siderúrgica. Em 7 de maio de 1943, o presidente Getúlio Vargas discursou na própria usina de Volta Redonda, dizendonota 13:
Diante de empreendimento de tamanha magnitude como o que estamos aqui realizando, não posso ocultar o meu entusiasmo patriótico e a minha confiança na capacidade dos brasileiros. O que representam as instalações da Usina Siderúrgica de Volta Redonda, aos nossos olhos deslumbrados pelas grandiosas perspectivas de um futuro próximo, é bem o marco definitivo da emancipação econômica do país. Aqui está ele plantado, em cimento e ferro, desafiando ceticismos e desalentos. Admiremo-lo, primeiro, com justo orgulho, para refletirmos, depois, quanto foi difícil lançar os seus fundamentos numa realização vitoriosa. E digo difícil, não só tendo em vista os obstáculos materiais a vencer, como ainda as resistências e omissões de uma mentalidade pública que parecia incapacitar-nos para levar ao terreno das soluções práticas o grande problema...
Escolheu-se a localização da usina e com o apoio financeiro americano, que não nos faltou: graças à intervenção amiga do Presidente Roosevelt, iniciamos a compra dos maquinismos e instalações industriais, invertendo nesses fornecimentos o primeiro empréstimo de 20 milhões, concedido pelo Banco de Importação e Exportação...
...O problema básico da nossa economia estará, em breve, sob novo signo. O país semicolonial, agrário, importador de manufaturas e exportador de matérias primas, poderá arcar com as responsabilidades de uma vida industrial autônoma, provendo as suas mais urgentes necessidades de defesa e de aparelhamento. Já não é mais adiável a solução. Mesmo os mais empedernidos conservadores agraristas compreendem que não é possível depender da importação de máquinas e ferramentas, quando uma enxada, esse indispensável e primitivo instrumento agrário, custa ao lavrador 30 cruzeiros, ou seja, na base do salário comum, uma semana de trabalho... A Usina de Volta Redonda está planejada para aumentar a sua produção até um milhão de toneladas por ano.
Ele acrescentou:
Esta cidade industrial será um marco da nossa civilização, um monumento a atestar a capacidade de nossa gente, um exemplo com tal poder de evidência que afastará quaisquer dúvidas e apreensões sobre o futuro, instituindo no país um novo padrão de vida e uma nova mentalidade.
O Brasil construiu uma cidade inteiramente nova, uma cidade industrial, em Volta Redonda. Em junho de 1946, o alto-forno, o forno aberto, e o laminador foram completados e colocados em operação. Em 1947, embora obrigada a operar com aproximadamente 50% da capacidade, devido ao fato de que várias de suas unidades não tinha sido concluídas, a usina já era capaz de produzir 145 toneladas diárias de lingotes de aço; em 1951, produzia 465 toneladas diárias de lingotes de aço, e mais tarde chegaria a quase um milhão de toneladas anuais.nota 14
Esta é a Política da Boa Vizinhança. Todos os diversos e abrangentes planos foram integrados em uma única missão. Os EUA estavam transferindo pacotes científico-tecnológicos e inserindo-os diretamente na economia brasileira. Esta é a pedra angular do Sistema Bretton Woods.
II. Desenvolvendo toda a Ibero-América
Com o Brasil como ponta de lança e paradigma, os EUA se propuseram a desenvolver a indústria, a agricultura e a infraestrutura de toda a Ibero-América.
Franklin D. Roosevelt criou o US Export-Import Bank (Banco de Exportação e Importação dos EUA) pela Ordem Executiva 6581 em 2 de fevereiro de 1934. O Banco obteve seu capital vendendo a grande maioria de suas ações preferenciais para a Reconstruction Finance Corporation, portanto, tornou-se uma divisão da RFC. A RFC, no projeto de Roosevelt, atuava como uma instituição bancária nacional hamiltoniana; ofereceu a maior parte do crédito direcionado do que qualquer outra instituição financeira à Economia dos EUA entre 1933 e 1945; em particular para o New Deal de Roosevelt entre 1933-38, e a mobilização econômica para a Segunda Guerra Mundial de 1939-44. O US Export-Import Bank tinha como diretriz "ajudar no financiamento e facilitar as exportações de bens e serviços dos EUA". Seguindo a diretriz doméstica da RFC, o RFC Export-Import Bank serviu como um positivo instrumento de política externa dos Estados Unidos.
Ele desempenharia um papel crucial no desenvolvimento de outros países ibero-americanos.
Em 1937, o ex-presidente do Export-Import Bank, Warren Pierson, promoveu um financiamento de 50% das locomotivas para as ferrovias estatais do Chile. Em 1938, o Export-Import Bank ajudou a financiar empréstimos para a melhoria da Ferrovia Central do Brasil, embora o Brasil não tenha feito as providências para compensar os norte-americanos detentores de títulos, pela inadimplência de títulos brasileiros anteriores.
Em julho de 1940, Roosevelt pediu a elevação da capacidade de financiamento do Export-Import Bank de 200 milhões para 700 milhões de dólares (equivalentes hoje a cerca de 15,4 bilhões de dólares). O Congresso dos EUA autorizou essa elevação em setembro de 1940, então o Export-Import Bank teve uma significativa expansão do volume de dinheiro para usar, e alavancou esses fundos oferecendo a investidores privados a possibilidade de investirem nos projetos selecionados por Roosevelt.
Divulgação
Com o início da Segunda Guerra Mundial em 1939, muitas nações ibero-americanas ficaram isoladas, parcial ou totalmente, dos mercados europeus, prejudicando suas economias. O Export-Import Bank forneceu linhas de crédito aos bancos centrais desses países para evitar que seus sistemas financeiros quebrassem: abriu linhas de crédito para a Argentina (60 milhões de dólares), Brasil (25 milhões de dólares), Peru (20 milhões de dólares), Uruguai (5 milhões de dólares) e valores menores para Cuba e Costa Rica.
Simultaneamente, crédito foi liberado para programas públicos de trabalho. Empréstimos para Cuba, México e Panamá para projetos de construção de estradas. Argentina recebeu empréstimos para compra de equipamentos para suas ferrovias e para construir duas represas. Além disso
Assistência bancária a programas para diversificar programas agrícolas na Venezuela, Colômbia, Bolívia e Equador forneceu fundos para melhorar suprimentos alimentares, diminuindo a necessidade de importações. Esses créditos também promoveram projetos para expandir a capacidade produtiva de materiais estratégicos, como borracha, metais, fibras e plantas necessárias para medicamentos.nota 15
Corporações de Desenvolvimento da Ibero-América
Um novo passo em desenvolvimento foi dado no período 1939-42: nações ibero-americanas formaram corporações de fomento. Eram corporações dirigistas, sob o controle soberano de cada república, que definiam uma agenda de projetos de desenvolvimento para a indústria, agricultura e infraestrutura que as corporações financiariam para garantir o desenvolvimento. Em todos os casos, essas corporações receberam financiamento do US Export-Import Bank (Banco de Exportação e Importação dos EUA).
Isso instituiu uma cadeia interessante, o Export-Import Bank da Reconstruction Finance Corporation canalizando fundos para as instituições republicanas de fomento dos países ibero-americanos, cujo propósito específico era o desenvolvimento dessas nações. Entre elas estão a Corporação de Fomento da Produção do Chile (CORFO), o Instituto Colombiano de Fomento Industrial, a Société Haitian-Américaine de Développement Agricole (SHADA), a Comissão Cubana de Desenvolvimento, a Corporação Equatoriana de Fomento, a Corporação Peruana do Amazonas e a Corporação Boliviana de Fomento.
No decorrer disso, por exemplo, o Export-Import Bank forneceu crédito a juros baixos ao Instituto Colombiano de Fomento Industrial para construir uma indústria de taninonota 16, uma usina para pasteurização de leite, uma empresa para expandir a indústria de açúcar, uma fábrica de ácido sulfúrico e uma planta de processamento de derivados de sal.nota 17
Ao todo, o Export-Import Bank distribuiu (em valores atuais) bilhões de dólares de crédito a juros baixos
III. O Fracasso do Banco Interamericano & Bretton Woods
Em 1937, o US Export-Import Bank aumentou seu papel no financiamento direcionado para o desenvolvimento da Ibero-América. Naquele ano, o presidente do US Export-Import Bank, Warren Pierson, conseguiu o financiamento de locomotivas para as ferrovias estatais do Chile. Em 1938, o US Export-Import Bank financiou empréstimos para a reforma de duas linhas ferroviárias no Brasil - a Ferrovia Central do Brasil e a Estrada de Ferro Sorocabana no estado de São Paulo. Estava previsto que o Brasil pediria um grande empréstimo ao banco para construir a usina siderúrgica de Volta Redonda, para a qual o governo havia estabelecido planos para o final de 1938.
Ao mesmo tempo, empréstimos do US Export-Import Bank foram liberados para Cuba, México e Panamá para projetos de construção de estradas. A Argentina recebeu empréstimos para comprar equipamentos para suas ferrovias e para a construção de duas barragens. Outras repúblicas ibero-americanas indicaram projetos que desejavam construir, solicitando financiamento adicional. O tipo e, frequentemente, as características específicas dos projetos, e seu papel tecnológico no desenvolvimento geral do país, eram conhecidos. Eles multiplicaram a necessidade de financiamento.
O volume crescente de projetos físico-tecnológicos ibero-americanos induziu Henry Dexter White, então Diretor de Assuntos Monetários do Departamento do Tesouro dos EUA (e mais tarde Secretário Adjunto do Tesouro), a inovar. Ele trouxe uma ideia brilhante, que influenciaria Bretton Woods. Ele argumentou que, em lugar do US Export-Import Bank lidar com tudo exclusivamente, por que não construir uma instituição multinacional, composta pelos EUA e pelas repúblicas ibero-americanas soberanas, estabelecendo uma instituição de crédito hamiltoniana, um Banco Interamericano, para financiar tais projetos, elaborando um novo sistema de crédito para as Américas?
White, que escreveu a proposta de um Banco Interamericano, também escreveu a maioria dos acordos de Bretton Woods: repúblicas soberanas de todo o mundo formariam uma instituição de crédito hamiltoniana para financiar projetos físico-econômicos em qualquer país. Assim, a concepção desta perspectiva de Bretton Woods veio diretamente de uma proposta da Política de Boa Vizinhança feita alguns anos antes.
O catalizador da ideia foi incluído num projeto de proposta que White escreveu em 6 de junho de 1939, chamado "Financiamentos para o Desenvolvimento Industrial da América Latina". Devido à importância desta proposta, apresentamos algumas seções dela:
-
A América Latina apresenta uma notável oportunidade para o desenvolvimento econômico. Apenas capital e habilidade técnica são necessários para desenvolver a área, de modo que se possa fornecer para uma grande população um maior padrão de vida e a expansão do comércio exterior.
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Se a América Latina conseguisse obter capital suficiente em termos e condições favoráveis e se esse capital pudesse ser investido exclusivamente no desenvolvimento produtivo dos vários países, a América Latina poderia, dentro de uma geração, tornar-se um vizinho próspero e amigável e um grande mercado para produtos americanos. É no campo das possibilidades que, se apropriadamente desenvolvidas, nossas relações econômicas com a América Latina podem, em uma geração, se tornarem tão importantes quanto aquelas com o restante do mundo em conjunto.
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Temos agora um excesso tanto de capital como de capacidade técnica que a América Latina demanda. Para elevar a América Latina do seu presente estágio para a condição de um vizinho progressista e próspero, se requer um programa audaz, concebido e executado com uma intenção adequada às possibilidades e envolvendo ajuda econômica em volumes proporcionais à tarefa e fornecidos em condições consonantes com a nossa Política de Boa Vizinhança. Cada um dos países ao sul dos EUA tem, evidentemente, os seus problemas específicos e a assistência econômica a cada um deles variará em forma, montante, termos e condições. No entanto, todos os países latino-americanos têm em comum uma única desvantagem que podemos transformar em nossa vantagem mútua, ou seja, escassez de capital e habilidade técnica...
Pensando no Futuro
White deu as características das operações propostas pelo Banco:
O que podemos fazer agora?
Criar por legislação um Banco Governamental cuja única função seria de ajudar a promover o desenvolvimento econômico a longo prazo da América Latina.
O banco teria capital de 300 milhões de dólares em ações ordinárias, adquiridas integralmente pelo governo, com capacidade de emitir 700 milhões de dólares em títulos garantidos pelo governo para juros e capital principal. O banco teria a capacidade de emitir um bilhão de dólares adicionais em obrigações garantidas, conforme a necessidade surgisse. A compra de ações ordinárias de 300 milhões de dólares poderia vir de imediato do lucro em ouro do Fundo de Estabilização, ou de 1,5 bilhão de dólares de certificados de prata não emitidos. Assim, não haveria um aumento do déficit.
O tipo mais importante [de empréstimo] seria sob a forma de empréstimos a longo prazo para fins de produção. Os empréstimos em geral deveriam ser dedicados a programas de reabilitação doméstica, incluindo obras públicas, criação de novas indústrias e modernização e expansão das indústrias existentes. O programa que selecionaria os tipos de indústrias a serem incentivadas deveria ser feito por um conselho de planejamento conjunto.
O programa acima não é a diplomacia do dólar... O programa está completamente no espírito da democracia com o objetivo de vantagem mútua para os Estados Unidos e América Latina.nota 18
Isto reflete o artigo de Franklin Roosevelt de julho de 1928 na revista Foreign Affairs, que desmontou a diplomacia do dólar.
O Comitê Consultivo Interamericano de Economia e Finanças foi formado pelos Ministros das Relações Exteriores das Américas em 3 de outubro de 1939. O Secretário de Estado Adjunto dos E.U.A. Sumner Welles, que apoiava a proposta do Banco Interamericano, um membro líder da "equipe" de Roosevelt, presidiu este Comitê.
Em maio de 1940, Sumner Welles, pelos Estados Unidos, assinou um acordo para criar um Banco Interamericano, fortemente apoiado pelo México e por outras sete nações ibero-americanas: Bolívia, Brasil, Colômbia, República Dominicana, Equador, Nicarágua e Paraguai.nota 19
Em 1941, o presidente Roosevelt submeteu ao Senado para ratificação a Convenção para o Estabelecimento de um Banco Interamericano (IAB). Foi escrita por Harry Dexter White, talvez com alguma contribuição de Sumner Welles e membros da equipe de Roosevelt. Há uma apresentação muito clara do Banco na “Seção 5. Objetivos e Competências”, que afirma:
A. O Banco é criado pelas Repúblicas Americanas para executar os seguintes objetivos:
(1) Facilitar o investimento prudente de fundos e estimular o uso pleno e produtivo de capital e crédito.
(2) Auxiliar na estabilização das moedas das Repúblicas Americanas; e encorajar o câmbio direto das moedas das nações americanas.
(3) Funcionar como uma câmara de compensação para facilitar a transferência de pagamentos, dentre outras coisas.
(5) Promover o desenvolvimento da indústria, serviços públicos, mineração, agricultura, comércio e finanças no Hemisfério Ocidental.
(6) Promover a cooperação entre as Repúblicas Americanas nas áreas de agricultura, indústria, serviços públicos, mineração, marketing, comércio, transporte e questões econômicas e financeiras relacionadas.
(7) Incentivar e promover pesquisas em tecnologia da agricultura, indústria, serviços públicos, mineração e comércio.nota 20 (ênfase adicionada)
O que estava acontecendo subjacente à proposta do Banco Interamericano, era uma rica e laboriosa colmeia de transformação do desenvolvimento científico-tecnológico avançado anti-entrópico.
A City em Londres e Wall Street, aterrorizadas com a ascensão ibero-americana, mobilizaram tudo e todos contra a Lei. O projeto de lei nunca saiu do Comitê de Relações Exteriores do Senado. Foi extinto em 1941, e por fim bloqueado pelo “economic hit man” de Wall Street, W. Randolph Burgess, Vice-Presidente do National City Bank of New York, que disse ao secretário do Tesouro Morgenthau, em maio 1940, que preferia ver Bancos Centrais, como o Federal Reserve dos EUA, comprar e deter as ações do proposto Banco Interamericano, e nomear seus diretores, como no caso do [pró-nazista] Bank for International Settlements (BIS). Assim, o que o Banco Interamericano deveria ser, se transformaria em seu oposto.
Embora a City em Londres e os banqueiros de Wall Street tenham ganhado a batalha, eles perderam a guerra. Três anos mais tarde, Harry White, que forjou os alicerces do Banco Interamericano no cadinho da batalha para transformar científica e tecnologicamente a Ibero-América, conseguiria trazê-lo de volta, de forma ampliada, à conferência de 1944 em Bretton Woods, New Hampshire. Há uma essencial continuidade entre o pensamento e o princípio por trás do Banco Interamericano e de Bretton Woods. A batalha perdida valeu a pena para estabelecer o princípio.
O processo em direção a Bretton Woods
Este surgimento de um novo princípio concreto de desenvolvimento e a transferência de ciência e tecnologia para repúblicas ibero-americanas, incorporadas na Missão Técnica dos EUA ao Brasil, incluíram a construção de novas ferrovias, acrescentando talvez o avanço de eletrificá-las; a construção de complexos de usinas hidrelétricas inovadoras e poderosas; encontrar melhores formas de produzir alumina a partir da bauxita; a construção de um complexo siderúrgico revolucionário em Volta Redonda no coração do Brasil; as nações do setor avançado concebendo e aplicando os mesmos princípios científico-tecnológicos para transformar e atualizar-se aos seus próprias economias; reconstrução das nações europeias e do Japão após uma guerra devastadora; e os Estados Unidos, dentre outras nações, convertendo seus maquinários de guerra para produzir as mais avançadas máquinas-ferramentas e bens de capital para cientificamente transformar o mundo.
Estes são, na totalidade, o conteúdo e o espírito de Roosevelt para o Sistema de Bretton Woods em 1944. Eles são a ordem crucial, a razão predominante, pela qual o Sistema de Bretton Woods foi criado.
Essa é a verdadeira intenção, baseada no princípio do futuro guiando o presente, de Bretton Woods. Roosevelt e a sua equipe formaram uma instituição multilateral, composta por repúblicas soberanas, todas iguais, que realizaram a política de transformação científico-tecnológica, da qual a Política de Boa Vizinhança, de 1936 a 1944, foi a primeira parte.
A guerra total chamada de Bretton Woods
A Conferência de Bretton Woods de 1 a 22 de julho de 1944, foi realizada com sucesso, dentro de um contexto que foi uma guerra sem tréguas. Esta história completa, que foi bastante movimentada, será mostrada num próximo artigo para EIR.nota 21
Mas algumas indicações sobre o impacto significativo na conferência sobre a Política de Boa Vizinhança e a Missão Técnica dos EUA no Brasil puderam ser apresentadas aqui.
Dezenove países da Ibero-América: Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Dominicana República, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela foram convidados para Bretton Woods, de um total de 44 nações presentes. Ou seja 43%. O número de delegados brasileiros na conferência de Bretton Woods (13) foi a quarta maior delegação, atrás apenas dos Estados Unidos (45), China (33) e Grã-Bretanha (15). O Brasil, onde a Missão Técnica dos E.U.A. havia colaborado com patriotas brasileiros em 1942-1943, tinha apenas dois delegados menos que a Grã-Bretanha imperial, e mais do que qualquer outro país europeu. Havia uma razão.
Roosevelt tinha organizado a conferência com as nações ibero-americanas orientadas para o desenvolvimento, pois não só conheciam bem o conteúdo da política de Roosevelt, mas tinham desempenhado um papel importante na sua evolução. Os britânicos enlouqueceram. John Maynard Keynes, um verdadeiro fascista e oficial da Sociedade Eugênica, e chefe da delegação britânica, escreveu em 1944, que:
Vinte e um países foram convidados [para Bretton Woods] e claramente não têm nada a contribuir e apenas sobrecarregarão o terreno, nomeadamente Colômbia, Costa Rica, Dominica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, Libéria, Nicarágua, Panamá, Filipinas, Venezuela, Peru, Uruguai, Etiópia, Islândia, Irã, Iraque, Luxemburgo. A mais monstruosa casa de macacos montada em muitos anos. Para estes talvez possam ser acrescentados: Egito, Chile, e (nas atuais circunstâncias) Iugoslávia.nota 22 (ênfase adicionado)
Keynes quis que 14 nações ibero-americanas fossem efetivamente excluídas.
Keynes queria que reuniões privadas fossem realizadas entre as delegações britânica e americana na conferência, sem qualquer outra nação presente, onde uma política conjunta seria elaborada, através da qual Keynes procurava preservar o Império Britânico de forma modificada. Henry Dexter White, um dos principais delegados norte-americanos, que ajudou a formular a política dos EUA, rejeitou aquilo.
Uma amostra da direção e da conquista de Bretton Woods pode ser obtida olhando para os propósitos declarados nos artigos fundadores do Acordo do Banco Mundial (oficialmente BIRD, o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento). O Artigo I do Acordo estabelece:
Os objetivos do Banco são:
-
Auxiliar na reconstrução e desenvolvimento dos territórios de seus membros, facilitando o investimento de capital para fins produtivos, incluindo a restauração das economias destruídas ou interrompidas pela guerra, a reconversão de instalações produtivas para as necessidades em tempos de paz e o incentivo ao desenvolvimento de instalações produtivas e recursos em países menos desenvolvidos.nota 23
Além disso, na Seção III, apela à tomada de ações - particularmente em países menos desenvolvidos – “incentivando o investimento internacional dos recursos produtivos de seus membros, ajudando assim a aumentar sua produtividade, o padrão de vida e as condições de trabalho.”
Este crédito direcionado deveria ser estendido intensivamente ao mundo todo.
Isso reflete a perspectiva total da administração Roosevelt, incluindo, em particular, a Política de Boa Vizinhança e a Missão 1942-43 no Brasil.
Esta é a tradição de Roosevelt. Mas você, o leitor - esta é a sua tradição, também.
Hoje, a maioria das discussões sobre Bretton Woods estão centradas em questões monetaristas, revelando que esses “analistas” não sabem do que estão falando. A intenção de Roosevelt, como também a de White, Cooke e outros colaboradores-chave, sempre se caracterizou pelo compromisso com as transformações científico-tecnológicas da economia, liderada pela transferência de pacotes científico-tecnológicos e máquinas-ferramenta para outras nações, e o emprego disso no próprio país.
Tudo isso deve ser guiado por um sistema de crédito hamiltoniano, usando um sistema de taxa de câmbio fixa. Este é o simples e mais importante motivo pelo qual a Conferência de Bretton Woods foi convocada e da qual um novo sistema foi formado. O núcleo da compreensão do verdadeiro Sistema de Bretton Woods é a sua concretude científico-tecnológica, como Lyndon LaRouche explorou e desenvolveu de forma única. É um desafio para cada um de nós. Este é o método subjacente necessário atualmente.
Tradução feita por Fernando Honorato de Oliveira, Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia-MG, e doutorando em Filosofia pela mesma instituição.
nota 1 Tennessee Valley Authority – TVA - uma autarquia federal norte-americana, autônoma, para implementar um novo tipo de política pública, visando combater a pobreza e promover o desenvolvimento regional no sudeste dos EUA, através da construção de 29 barragens ao longo do rio Tennessee. [Nota do tradutor – NdT] voltar à referência 1
nota 2 Freeman, Richard, “Then and Now: Why Roosevelt’s Explosive 1933-45 Recovery Worked, Part 1,” Executive Intelligence Review, 26 de abril, 2002, pp. 27-29. voltar à referência 2
nota 3 Roosevelt, Franklin D., “Our Foreign Policy: A Democratic View,” Foreign Affairs, No.4, julho de 1928, pp. 573-588. voltar à referência 3
nota 4White, Henry Dexter, Specific Proposals for Immediate United States-Brazil Cooperation, Sept. 19, 1939, Henry Dexter White Papers, na Seeley G. Mudd Manuscript Library, uma divisão dos Livros Raros e Coleções Especiais, Princeton University Library, Princeton, New Jersey. voltar à referência 4
nota 5 The Papers of Morris L. Cooke: 1914-53, na Biblioteca e Museu Presidencial Franklin D. Roosevelt, Hyde Park, New York. voltar à referência 5
nota 6. Cooke, Morris Llewellyn, Brazil on the March—A Study in International Cooperation; Reflections on the Report of the American Technical Mission to Brazil (Brasil em Marcha—Um Estudo em Cooperação Internacional; Reflexões sobre o Relatório da Missão Técnica Americana no Brasil). New York and London, Whittlesey House, uma divisão da McGraw-Hill Book Company, Inc., 1944, pp. 193-208.voltar à referência 6
nota 7 Ackerman, Adolph J., Billings and Water Power in Brazil, Madison, Wisconsin, publicado pelo autor, 1953; e Hager, Willi, “Hydraulicians in the USA 1800-2000,” estudo da International Association for Hydro-Environment Engineering and Research, 2015, p. 1829. voltar à referência 7
nota 8 Cooke, Brazil on the March (Brasil em Marcha), p. 189. voltar à referência 8
nota 9 Carta de 16 de outubro de 1942 de Frank Hodson, engenheiro metalúrgico especialista da Missão Técnica dos EUA, ao Sr. Alec Taub. Biblioteca e Museu Presidencial Franklin D. Roosevelt, Hyde Park, Nova York. voltar à referência 9
nota 10 Carta de 22 de novembro de 1942 de Dudley South, Engenheiro Consultor para Jefferson Caffery, embaixador dos EUA no Brasil. Biblioteca e Museu Presidencial Franklin D. Roosevelt, Hyde Park, Nova York. voltar à referência 10
nota 11 Referência à rede de canais que o imperador Carlos Magno promoveu na Europa Ocidental entre os anos 768 e 814. Outro proponente deste tipo de projeto foi Alexander von Humboldt, que propûs em 1800 uma só rede fluvial interconectando os rios Orinoco, Negro, Amazonas, e Paraná. [NdR] voltar à referência 11
nota 12 Brazilian Traction, Light and Power Company, ou Light S.A., que depois se tornou a Brookfield Asset Management ou Brascan, que operava a São Paulo Tramway, Light & Power Company, Ltd. e a Rio de Janeiro Tramway, Light & Power Company, Ltd. voltar à referência 12
nota 13 Foram usados aqui os trechos originais do discurso de Getúlio Vargas, disponível no site da Biblioteca da Presidência da República Federativa do Brasil, conforme acesso via Internet em 16/08/20 (http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/getulio-vargas/discursos/1943/03.pdf/view) [NdR] voltar à referência 13
nota 14 Rogers, Edward T., Brazilian Success Story: The Volta Redonda Iron and Steel Project. voltar à referência 14
nota 15 Becker, William H., e William M. McClenahan, Jr., The Market, the State, and the Export Import Bank of the United States, 1934-2000, Cambridge University Press, Cambridge, Inglaterra e New York, 2003 voltar à referência 15
nota 16 Na época o principal uso do tanino era em curtumes, para tratamento de couros. Atualmente também é usado na indústria de bebidas, na indústria de medicamentos e em outras aplicações. [NdR] voltar à referência 16
nota 17 Soule, George, David Efron, e Norman T. Ness. Latin America in the Future World, Farrar & Rinehart, Inc., New York e Toronto, 1945, pp. 273-285. voltar à referência 17
nota 18 White, Harry Dexter, Loans to Latin America for the Industrial Development of Latin America, 6 de junho de 1939, Harry Dexter White Papers, na Biblioteca de Manuscritos Seeley G. Mudd. voltar à referência 18
nota 19 A proposta de um Banco Interamericano foi um ponto de tensão e discussão na Ibero-América. Em 1939, numa reunião dos Ministros das Finanças das Américas na Guatemala, o mexicano Eduardo Villaseñor apresentou uma proposta detalhada para a criação de um Banco Interamericano, que ele afirmava, deveria "atuar como agente canalizador de capital de investimento destinado a fomentar o desenvolvimento econômico dos diferentes países das Américas", relataram Stephen Macekura e Erez Manela, em seu livro The Development Century: A Global History (O Século do Desenvolvimento: Uma História Global), ainda sem tradução em português. voltar à referência 19
nota 20 “Convenção para o Estabelecimento de um Banco Interamericano”, submetida pelo Secretário de Estado dos EUA Cordell Hull em nome do Presidente Franklin D. Roosevelt às audiências de 5 e 6 de maio de 1941 realizadas pela Subcomissão da Comissão de Relações Exteriores do Senado, sobre essa convenção. Pode ser encontrado em "Audiências perante o Subcomitê da Comissão de Relações Exteriores, Senado dos Estados Unidos, septuagésimo quinto Congresso, Primeira Sessão, 5 e 6 de maio de 1941,” Gabinete de Impressão do Governo dos E.U.A., Washington, D.C., 1941. voltar à referência 20
nota 21 Roosevelt utilizou o bem sucedido método da Política de Boa Vizinhança e a Missão Técnica dos Estados Unidos no Brasil para o plano dos Estados Unidos para o desenvolvimento da Rússia, China e Índia. Em 1933, no primeiro ano em que Roosevelt exerceu a presidência, foi escrito um relatório intitulado, "Uma Política de Boa Vizinhança para a Rússia". Um projeto da administração Roosevelt na década de 1940, propûs um empréstimo para o desenvolvimento pós guerra da União Soviética no valor de 10 bilhões de dólares, que seriam equivalentes a 220 bilhões de dólares atualmente. Os Estados Unidos tinham planos ambiciosos para a China, utilizando o "Desenvolvimento Internacional da China", de Sun Yat-Sen*, como referência. Os Estados Unidos enviaram uma Missão Técnica à Índia, paralela a essa Missão ao Brasil. Havia planos de desenvolvimento para outras nações asiáticas. voltar à referência 21
nota 22 The Collected Writings of John Maynard Keynes, Londres, Macmillan Publishers; Nova Iorque, St. Martin's Press, para a Real Sociedade de Economia, 1971-89; Vol. 26, p. 42. voltar à referência 22
nota 23 Artigos do Acordo: Fundo Monetário Internacional e Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento, Gabinete de Impressão do Governo dos EUA, 1945, p. 51. voltar à referência 23
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