O seguinte é uma tradução de material originalmente publicado na edição de 19 de Novembro de 2021 da Executive Intelligence Review.
Um Terrível Fim ou um Novo Paradigma?
Helga Zepp-LaRouche
O seguinte é a transcrição editada de “É Possível Evitar uma Crise Estratégica Entre as Grandes Potências?”, a apresentação de abertura ao Painel 1 da Conferência Internacional do Instituto Schiller, a 13-14 de Novembro (“Há que Apelar a Todos os Recursos Morais da Humanidade: O Homem Tem de Ser a Espécie Imortal!”). A apresentação foi dada por Helga Zepp-LaRouche, fundadora do Instituto Schiller.Subtítulos adicionados.
Dou-vos as boas vindas, e estou muito feliz por vos estar a falar, onde quer que possam estar a assistir a esta conferência. Estamos a atravessar um momento extremamente decisivo. Comecemos com uma possibilidade otimista. Façamos uma experiência Gedanken, uma experiência de pensamento.
Na verdade, seria bastante fácil resolver quase quaisquer dos muitos problemas com que somos hoje confrontados, se a maioria dos governos das nações europeias e, possivelmente também o próprio governo dos Estados Unidos, dissessem, “Ok, fizemos asneira. Temos de mudar a nossa forma de pensar. Cometemos muitos, muitos erros. Negligenciámos investimento em infraestrutura básica. Criámos políticas a favorecer especulação em detrimento da economia real. Permitimos que os nossos agricultores fossem arruinados, numa altura em que começamos a ser confrontados com uma crise de fome de dimensões bíblicas. Devíamos ter sabido que não conseguiríamos ganhar a guerra no Afeganistão, que acabou por se revelar um desastre a toda a linha. Não fizemos nada para colocar um fim à pobreza em África. E, pela criação de provocações geopolíticas, tornámos desnecessariamente em adversários países que nos eram amigáveis e que estavam abertos a nós, como a Rússia e a China. Não parecemos ter a capacidade para pôr a pandemia sob controlo, uma vez que não queremos reverter a privatização do sistema de saúde. E, no que diz respeito a vacinas, só nos preocupamos com os países ricos.
“Negligenciámos as nossas grandes culturas humanistas. Permitimos que as mentes das nossas populações fossem envenenadas por uma indústria de entretenimento completamente depravada. Deixámos que os nossos jovens entrassem em desespero sobre o vindouro fim do mundo, através do preenchimento dos média com propaganda pseudocientífica sobre o clima. E, uma vez que reconhecemos que estamos prestes a derrapar todo o sistema contra um muro, mudamos. E, juntamos esforços com os países da Iniciativa do Cinturão e Rota, e trabalhamos com Rússia, China e outras nações para resolver todos estes problemas. Algo que conseguimos fazer, uma vez que, no nosso conjunto, somos a espécie criativa.”
Seria bastante fácil que isto acontecesse, porém, é de algum modo provável que venha a acontecer? Infelizmente não, uma vez que, até aqui e, apesar dos fracassos em políticas uns após os outros, as elites do Ocidente demonstraram zero capacidade para reconhecer e admitir os seus erros, e proceder às mudanças apropriadas. Como consequência, é hoje bastante provável que todo o sistema transatlântico venha a entrar em desintegração. Já agora, lembram-se desta citação?
A nossa república faz hoje parte das dez mais poderosas nações industriais no mundo, e das cerca de duas dúzias de países com o mais elevado nível de vida.
O homem que disse estas palavras, a 6 de Outubro de 1989, foi Erich Honecker. Doze dias depois, estava fora do governo e, 34 dias depois, o Muro de Berlim veio abaixo.
Por essa altura, o Papa João Paulo II avisava que o colapso do sistema comunista não permitia tirar legitimamente a conclusão de que o sistema liberal ocidental seria moralmente superior. E, se alguém tinha quaisquer dúvidas em relação a isso, então só precisa de olhar para a horrível condição dos países em vias de desenvolvimento.
Durante o período do colapso do Leste comunista, fiz muitos discursos, nos quais avisei que, se viesse a ser cometido o erro de impor o sistema neoliberal a todo o mundo (e isso é precisamente aquilo que foi tentado, e que está implícito no eufemismo de Francis Fukuyama sobre “o fim da História” e, explícito na ideia de um mundo unipolar), isso acabaria por levar a um colapso continuamente mais dramático de todo o sistema. Creio que é nesse exato ponto que estamos hoje. Estamos à beira de um colapso sistémico do sistema neoliberal. Um tal colapso terá um aspecto diferente do colapso da RDA [Alemanha de Leste] e da União Soviética. Porém, este sistema está em processo de autodestruição. A ameaça existencial ao mundo ocidental não vem dos (assim chamados) sistemas autocráticos e ditatoriais do planeta, nem de quaisquer inimigos externos. Advém por inteiro da decadência moral resultante da transição de paradigma cultural iniciada nos 1960s, e que foi, à era, claramente identificada por Lyndon LaRouche. E, cujos efeitos de longo prazo estamos hoje a experienciar.
A não ser que haja uma súbita reversão dessa transição de paradigma (aquilo a que chamam a “ordem baseada em regras”), cairemos numa Idade das Trevas com caraterísticas similares às do século 14, ou piores. Isto é algo que levará a caos total ao longo do planeta, e a guerra mundial.
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Um Falhanço Benvindo no COP26
Tentaram, ao longo das últimas duas semanas, no evento COP26 em Glasgow, induzir as nações do mundo a engolir políticas de redução de emissões de CO2. Políticas que, se implementadas, levariam a uma redução populacional na ordem dos biliões e, desmantelariam as nações industriais de volta a um nível pré-industrial. Isto foi, felizmente, um fracasso, uma vez que Rússia, China, e várias nações em vias de desenvolvimento, obviamente reconheceram a intenção maliciosa daquela gente. Assim, só enviaram delegações de baixo nível e, asseveraram prioridades completamente diferentes, tais como o direito de desenvolvimento para os seus países, ou segurança energética. Também foi notado que, na cimeira, nem por uma vez houve, da parte dos organizadores, qualquer discussão da fome catastrófica já prevalente em muitos países, ou do colapso dos sistemas de saúde, ou da crise de refugiados. Passem o clip agora, por favor.
[É mostrado um clip de ações de Rebelião de Extinção.]
Estes pobres jovens enganados, desencaminhados por uma oligarquia financeira, claramente não vivem no mundo real. Não revelam qualquer preocupação pela realidade da fome em massa nos países em vias de desenvolvimento, pelo colapso da civilização. Terríveis consequências foram induzidas pelo efeito psicológico em massa conjurado por vários anos de cenários apocalípticos, com o planeta a ferver (isto foi Obama), ou de que já só nos restam 12 anos (isto foi Sextas Pelo Futuro e muitos outros), ou apenas 18 meses (isto foi o Príncipe Carlos, há 18 meses atrás). De acordo com o British Medical Journal, os níveis de eco-ansiedades, em especial entre crianças e jovens, levaram a uma escalada dramática em depressão, baixo humor, stress mental extremo, e suicídio. De acordo com o Lancet, uma amostragem de 10,000 jovens entre 16-25 anos de idade, em 10 países, determinou que 84% estão preocupados com aquecimento global, 59% estão extremamente preocupados, 40% não querem ter filhos. Le Figaro, a reportar isto, adiciona que “cada bebé a menos, poupar-nos-ia a emissão de 58 toneladas de CO2 por ano. Isso são 50 viagens de ida e volta de Paris a Nova Iorque.”
Contraste-se a turba mostrada no videoclip, e que é controlada pela oligarquia financeira, com a realidade de fome em massa ao longo do mundo. A 8 de Novembro, o Programa Mundial de Alimentos fez a declaração de emergência de que 45 milhões de pessoas ao longo do mundo estão à beira de fome. No Haiti, na Etiópia, na Somália, no Quénia, no Burundi, no Iémen, na Síria, no Afeganistão. O número está a aumentar exponencialmente pelo aumento nos preços do combustível, da comida, dos fertilizantes. Ainda recentemente, David Beasley esteve em Cabul, onde disse que, no Afeganistão, estamos a enfrentar a possibilidade da pior crise humanitária no planeta, com 95% da população em risco de ser exposta a fome ao longo dos próximos seis meses, e de que isto resultará num inferno na Terra.
Qual a reação do Ocidente? Após 20 anos de guerra, que deixaram o país completamente destruído, o custo para os EUA foi de $20 triliões, mas depois também é preciso tomar em conta os custos para os outros países NATO. Dos fondos que o povo afegão tem no extranjeiro, o Ocidente tem agora congelados: $9 biliões pelo Tesouro dos EUA, $430 milhões pelo Commerzbank, montantes similares pelo Bundesbank, pelo Banco de Pagamentos Internacionais, e assim sucessivamente. O argumento é o de que o dinheiro não será entregue a não ser que os Taliban preencham dadas pré-condições.
O que é que acham que vai acontecer, quando mais de 30 milhões de afegãos estiverem a morrer de fome e de frio durante este Inverno? Quantos milhões tentarão migrar para a Europa? De acordo com a Organização Internacional para as Migrações, no final de 2020, já havia 281 milhões de migrantes ao longo do mundo, mais cerca de 55 milhões de pessoas deslocadas no interior dos seus respetivos países. Isto contabiliza 336 milhões de refugiados e, com a população dos EUA a 329.5 milhões, isso são 6 milhões de pessoas a mais que a totalidade da população dos EUA. Tudo isto está a acontecer sob as condições de uma pandemia que continua a estar completamente fora de controlo.
Também neste momento, há uma enorme crise na fronteira entre Bielorrússia e Polónia, com vários milhares de refugiados que não têm acesso a comida, a água e a abrigo, e que estão expostos a temperaturas gélidas. Qual foi a resposta do governo polaco? Enviou 15,000 soldados polacos, que erigiram cercas de arame farpado. A par da UE, estão a acusar [o Presidente da Bielorrúsia] Lukashenko de ser um ditador, por estar a enviar deliberadamente estas pessoas, como modalidade de guerra híbrida. O General Stoltenberg, Secretário-Geral da NATO, já está envolvido a fazer declarações. Há apelos à NATO para que apoie a Polónia. A acusação de que estes refugiados estão a ser enviados deliberadamente é completamente fraudulenta. Há refugiados a vir de Iraque, Síria, Congo, Camarões, e outros lugares. Não estão aqui por culpa de Lukashenko. Em 2003, os Estados Unidos e outros países conduziram uma guerra contra o Iraque com base em mentiras, um conflito que nunca cessou realmente desde então. Impuseram as alegadas “sanções Caesar”* à Síria, para matar pessoas à fome, na expetativa de que os sírios se levantassem contra o governo Assad, e causassem, dessa forma, uma mudança de regime no país. De acordo com o Cardeal Zenari, na Síria, esta política relegou mais de 90% da população do país a insegurança alimentar e pobreza extrema.
Dmitry Polyanskiy, o Chargé d’Affaires na missão russa nas Nações Unidas, que participou repetidamente em conferências Schiller no passado, reporta que, em muitas instâncias, refugiados foram espancados na fronteira polaca, expulsos de volta para território bielorrusso, e que isto é uma total e completa desgraça. Uma violação de todas as convenções internacionais. É óbvio que estes se tornaram nos mais importantes e nos mais repetidamente citados valores ocidentais da ordem baseada em regras.
De permeio a esta crise, o Presidente [alemão] Steinmeier não consegue encontrar nada melhor para fazer que receber Tikhanovskaya, a líder da oposição [bielorrussa], que teve 10% dos votos nas últimas eleições, mas que é considerada vencedora pela UE. O Ministro dos Negócios Estrangeiros [alemão] Maas, e a EU, estão a apelar a mais sanções. Lukashenko disse que não aceitará um tal cenário, e que pode vir a cortar fluxos de energia através da Bielorrússia. Há um grande debate a tomar agora lugar na UE, sobre se devem financiar a construção de uma cerca exterior fortificada à volta da UE. Portanto, estamos de volta à distopia no livro de Jean-Christophe Rufin, em 1991, O Império e os Novos Bárbaros, que discute a ideia de construir um novo limite à volta da Europa; um limite pelo qual o Sudoeste Asiático e África [perda de audio]… estados falhados com uns poucos campos de refugiados financiados pela UE em redor. Isto é algo que o Papa Francisco já veio comparar com os campos de concentração, e onde a Frontex está envolvida em operações de bloqueio, onde claramente passaram por cima do fato de que muitos refugiados morrem, afogados ou de outras formas.
Portanto, há que ser absolutamente claro. Se houver um colapso hiperinflacionário do sistema, como o de 1923 na Alemanha de Weimar; desta vez, porém, não se limitando a um só país, mas abrangendo todos os países, numa situação onde não há controlos de capitais; e, se implementarem os planos de Grande Reinício discutidos em Glasgow; então, o que vai acontecer é um vasto fenómeno migratório, a provir da América do Sul e Central para os Estados Unidos, e do Médio e Próximo Oriente, e de África, para a Europa; não apenas uma mão cheia de migrantes, mas Völkerwanderungen, migrações de povos, como nos tempos antigos.
A Situação Estratégica Mais Abrangente
No que diz respeito à situação estratégica mais lata entre as maiores potências. Tentemos avaliar as crescentemente contraditórias afirmações provindas da administração Biden, concernindo as relações dos Estados Unidos com China e Rússia. Nalguns dias, essas afirmações são promissoras; ao passo que, noutros dias, são invalidadas por ações provocativas dos EUA à volta de Taiwan, ou da Ucrânia, ou do Mar Negro. Convém não esquecer as observações feitas pelo comandante do Comando Estratégico dos EUA, o Almirante Charles Richard, que, já em Fevereiro deste ano, escrevia na revista Procedimentos (“Proceedings”), do Instituto Naval, que, “Há uma possibilidade real de que uma crise regional com a Rússia ou com a China possa vir a escalar rapidamente num conflito envolvendo armas nucleares; se tais potências percebessem que uma derrota convencional ameaçaria os respetivos regimes ou estados. Consequentemente, as forças armadas dos EUA têm de transicionar as suas assunções de partida, da ideia de que o emprego de armas nucleares não é possível, para a de que o emprego de armas nucleares é uma possibilidade bem real.” (itálico adicionado). Esta observação é relevante.
Qual a probabilidade de que qualquer dos dois maiores potenciais para crise regional fossem perdidos por Rússia ou China, no caso de as coisas derivarem para ação militar convencional? No respeitante a um ataque convencional à Rússia, seria aconselhável ao Almirante Richard que lesse o Guerra e Paz, de Leo Tolstoy, sobre as Guerras Napoleónicas. Essa leitura deve ser complementada pela análise dos estudos estratégicos do cunhado de Friedrich Schiller, Ludwig von Wolzogen, que, em nome dos reformadores prussianos e do Czar russo, elaborou o plano para atrair Napoleão para as extensões da Rússia, onde teria de esticar as suas tropas e capacidades logísticas ao longo de um vasto território, e seria, desta forma, arruinado. Pelo final da campanha napoleónica, o gigantesco exército de Napoleão já tinha sido esmagado a uns poucos miseráveis agrupamentos de soldados, que mal conseguiram fazer o seu caminho de volta para ocidente. E, é um fato bem conhecido que o arquiteto da II Guerra Mundial não tinha aprendido nada disso [perda de áudio]. A memória da Grande Guerra Patriótica é, ainda hoje, bastante vívida nas mentes da população russa. Portanto, as forças dos EUA e da NATO estudaram certamente o significado de uma guerra convencional contra a Rússia, e sabem que isto não é sequer uma opção.
Ainda recentemente, e após terem surgido, dos EUA, alguns sinais muito enganadores concernindo o apoio deste país a uma eventual independência de Taiwan (estes sinais culminando no alegado “deslize” de Biden, de que os EUA iriam à defesa de Taiwan no caso de uma incursão chinesa), os média chineses publicaram inúmeros artigos a expressar confiança de que o ELP [Exército de Libertação Popular] venceria qualquer guerra convencional com facilidade. Com efeito, como seria possível a qualquer força convencional derrotar uma população altamente motivada de 1.4 biliões de pessoas, que estão absolutamente determinadas a que nunca mais haja uma repetição do século da humilhação; pelo qual potências estrangeiras podiam invadir território chinês à vontade e capturar tranches territoriais para si próprias. Derrotar a China seria ainda mais difícil na medida em que a base de apoio logístico para o outro lado fica a mais de 7,000 milhas de distância.
Mais cedo durante este ano, Daniel Ellsberg, por ocasião do 50º aniversário da sua revelação dos Pentagon Papers, referiu-se a uma proposta, por John Foster Dulles [na altura, Secretário de Estado dos EU], de lançar, no Estreito de Taiwan, uma troca nuclear com a Rússia e com a China, mesmo que isso viesse a levar à total aniquilação de Taiwan. O propósito seria o de garantir a posição estratégica dos EUA. Ellsberg citou um estudo (parcialmente desclassificado) da Rand Corporation, em 1958. O estudo era intitulado “A Crise de 1958 no Estreito de Taiwan: Uma História Documentada” e, devia ser leitura recomendada para os nossos cidadãos contemporâneos, que, uma vez mais, estão em risco de deambularem passivamente para uma guerra mundial. Ellsberg mencionou a probabilidade de que uma discussão similar estivesse em decurso hoje, e referiu-se à anteriormente mencionada citação pelo Almirante Richard. Depois, expressou a preocupação de que a civilização não sobreviva na era das armas nucleares, se estas discussões não vierem a público a tempo. Ao mesmo tempo que há sinais de melhorias na relação entre EUA, Rússia e China (como sejam a recente cimeira Biden-Putin, ou as negociações estratégicas em Genebra, ou Stoltenberg, o Secretário-Geral da NATO, a dizer que a China não é o inimigo), na verdade, tende a bastar apenas um dia ou outro para que esses avanços sejam comprometidos, por uma qualquer ação provocativa: relativa a Taiwan, à Ucrânia, ou ao atual envio para o Mar Negro, pelos EUA, de aviões de reconhecimento, ou, de navios de guerra. Isto, em particular, e como foi dito pelo porta-voz do Ministério da Defesa russo, o Major General Igor Konashenkov, é algo que é visto pela Rússia como representando um estudo antecipado de teatro de guerra, para o caso de a Ucrânia vir a recorrer a uma solução de força para o conflito no sudeste.
Por vezes, estas ações são altamente provocativas, tal como são altamente perigosas para a segurança regional e para a estabilidade estratégica. Outras vezes, porém, também são ridículas, como quando a nossa intrépida Ministra da Defesa [alemã], Annegret Kramp-Karrenbauer, envia uma fragata ao Indo-Pacífico para hastear a bandeira. Talvez ela espere (e o Ocidente com ela) ganhar pelo levar o povo chinês a rir até à morte.
A Ascenção da China
Mas a questão consequente é, será possível evitar uma guerra entre as principais potências? A razão real para todas estas tensões é a ascensão da China. Uma ascensão que não pode ser parada, uma vez que, ao longo dos últimos 40 anos, a China fez as coisas essencialmente bem, ao nível económico. Tirou 850 milhões dos seus próprios cidadãos das amarras da pobreza e, depois, através da Iniciativa do Cinturão e Rota, veio oferecer o modelo chinês aos países em vias de desenvolvimento. Estes países têm assim, pela primeira vez, a chance de superar o subdesenvolvimento deixado pelas potências coloniais, e que foi depois continuado pelo FMI, pelo Banco Mundial e pelo sistema financeiro neoliberal.
Uma vez que (e não há contraditório possível a isto) a pobreza e a fome são contadas entre as piores violações dos direitos humanos, a China fez mais pela proteção dos direitos humanos que qualquer outro país no planeta. Porém, é precisamente com esse “crime” que a oligarquia financeira ocidental está tão indignada. Se lerem o último livro de Klaus Schwab, Capitalismo de Stakeholders, ele deixa tudo isto explícito. Aquilo que “destrói o planeta” é a luta contra a pobreza e o desejo de levar uma vida decente. E, portanto, aquilo que tem de ser parado, se queremos salvar o planeta, é precisamente a aliviação da pobreza. Uma vez que a China é o principal veículo disso, então a China (de acordo com esta lógica) é o inimigo que tem de ser contido. E, tem de haver uma mudança de regime, com o derrube do PCC [Partido Comunista da China]. Este é o tema do artigo “Mais Extenso Telegrama: Na Direção de Uma Nova Estratégia dos EUA para com a China” (“Longer Telegram: Toward a New American China Strategy”), publicado em Janeiro passado no website do Atlantic Council em Washington D.C. Portanto, a China é rotulada de ditadura, regime autocrático, etc.
Mas o fato é, com uma população de 1.4 biliões de pessoas, a China só tem, até este ponto, 4,600 mortes por COVID, por comparação com as 760,000 mortes nos Estados Unidos, com uma população de 329.5 milhões, e com a Alemanha, com 97,300 mortes e uma população de 83.24 milhões. Pela mesma lógica, os Klaus Schwabs deste mundo são os piores de todos os ofensores de direitos humanos; e isso é a coisa mais simpática que se pode dizer sobre tais pessoas.
Portanto, e em vez de sermos arrastados para um conflito com a Rússia e a China (algo que só pode levar à destruição de toda a gente), deveríamos, ao invés, voltar à lista de erros mencionados no início e, corrigir esses erros. Dada a enormidade da crise, isto tem de começar por um programa-relâmpago de emergência para a salvação do Afeganistão e do Haiti, a contemplar uma abordagem bidirecional. No imediato, um programa humanitário de dimensões dramáticas: comida, medicina, combustível, energia, abrigo. Para isto, há que libertar todos os dinheiros pertencentes ao povo afegão, e os países doadores para o Afeganistão, como para o Haiti, têm de reiniciar, no imediato, adequada assistência humanitária. Tem que haver pleno apoio internacional para a integração do Afeganistão na Iniciativa do Cinturão e Rota, e um programa concreto de reconstrução para o Haiti. Todos os países vizinhos do Afeganistão (as repúblicas Centro-Asiáticas, o Paquistão, o Irão, a Índia, a Rússia e a China) têm um interesse fundamental na salvação e estabilização do Afeganistão. Os EUA e os países NATO, que conduziram a guerra ao longo de 20 anos e deixaram o país em condição catastrófica, têm uma obrigação moral de contribuir tanto para a assistência imediata do país, como para a sua construção económica.
Operação Ibn Sina
Como Lyndon LaRouche insistia, já em 1973, com o seu Grupo de Trabalho sobre Holocausto Biológico, devia ser óbvio que esta pandemia, e outras pandemias já no horizonte, só serão colocadas sob controlo se o terrível subdesenvolvimento de vastas porções do planeta for superado definitivamente. Isto tem agora de ser concretizado, começando pela construção de um sistema de saúde exemplar em cada nação no planeta, com prioridade para Afeganistão e Haiti, mas também, e naturalmente, para Iémen, Síria, e todos os restantes países terrivelmente afetados por subdesenvolvimento. Devíamos chamar-lhe Operação Ibn Sina, para o Afeganistão. Ibn Sina, ou, Avicena, como também é conhecido no Ocidente. Esta extraordinária figura representa as mais briosas tradições deste país, do Afeganistão.
Há diferentes fontes históricas que debatem se Ibn Sina nasceu em Balkh, ou se essa foi a cidade-natal apenas do seu pai, Abdullah. Balkh fica no Afeganistão, embora também haja localidades com esse nome no Uzbequistão e na Pérsia (Irão). Não interessa. Ibn Sina é um filho da área de Bactria, a que costumava ser chamada de Terra das Mil Cidades, por volta do tempo da antiga civilização grega. Ibn Sina, que nasceu em 980 D.C. e morreu em 1037, é reconhecível por todos como sendo o pai da medicina moderna. Também foi um filósofo, um geólogo e um astrónomo. Estudou terramotos e formações nebulosas. Desenvolveu métodos químicos, como seja um procedimento para a produção de enxofre. Também era um poeta concretizado e escreveu obras dramáticas. Porém, e especialmente em medicina, Ibn Sina protagonizou avanços absolutamente revolucionários. Por exemplo, identificou as funções de diferentes órgãos, e a ligação entre os nervos e o movimento muscular e, estudou a pulsação. Descobriu a meningite, o cancro mamário, icterícia, e as pedras na bexiga. Elaborou todo uma guia de medicamentos. Foi o primeiro a desenvolver a psicoterapia. Escreveu um compêndio sobre a alma; um tratado sobre como a cura da alma pode ocorrer; a cura da dúvida e do desespero. Escreveu mais de 200 livros, talvez até duas vezes este número. O seu Canon de Medicina era a obra de referência para médicos na Europa até ao século 17 e, nalguns casos, até ao século 19. Ibn Sina também desenvolveu a conceção metafísica abrangente na tradição de Platão, al-Farabi e al-Kindi. Desenvolveu a conceção extremamente importante da existência necessária, o wajib al-wujud, que é arábico para Deus. De acordo com este conceito da Existência Necessária, todas as outras existências existem apenas porque Deus as torna possíveis. Esta ideia de Ibn Sina influenciou muitos pensadores em todos os tipos de diferentes religiões. Ibn Sina era tido em elevada consideração por, entre muitos outros, Dante, que o mencionou no Convivio e na Divina Comédia, e Nicolas de Cusa, em textos como a sua defesa da sua De Docta Ignorantia, contra o Professor Wenck e as críticas do mesmo. Cusa escreve: “Antes de Avicena, o divino Platão fez, nas Parménides, um esforço muito agudo para abrir o caminho na direção de Deus, uma vez que qualquer imagem, na qualidade de imagem, não atinge a verdade do seu exemplar.”
Portanto, o Afeganistão precisa urgentemente de hospitais modernos, que, como provado pelos chineses em Wuhan, podem ser construídos em duas semanas. O Afeganistão também precisa de médicos formados modernos. Muitos médicos afegãos estão agora na Europa ou nos Estados Unidos. Precisam de enfermeiras formadas. E, que faria mais sentido que dar a esta iniciativa o nome de Ibn Sina, assim relembrando a tradição de um dos maiores pensadores em toda a História universal? Avicena estabelece, ao mesmo tempo, a ligação entre a tradição humanista de todas as nações europeias e islâmicas: dadas as ideias da antiga filosofia grega, que tanto contribuiu para o trabalho de Avicena, e sobre a qual ele, por sua vez, teve a sua própria, grande, influência. E Avicena, uma vez mais, influenciou muitos pensadores em muitos países.
Portanto, levemos a cabo o esforço para concertar a assistência internacional e as forças que são necessárias para construir um moderno sistema de saúde, numa base de emergência, em nome de Ibn Sina. É pelo compromisso com este propósito que nós, no Ocidente, reconquistaremos também a integridade e a estatura moral de que precisamos para sair desta crise. Evoquemos, para este empreendimento, as memórias de todos os grandes pensadores e filósofos das nossas tradições.
A Operação Ibn Sina tem também de se tornar na semente para cooperação entre Rússia, China, EUA e as nações europeias, num esforço conjunto para salvar o Afeganistão. Se, nesta missão conjunta, pudermos superar a mentalidade geopolítica, isso pode tornar-se num dos urgentemente necessários passos de construção de confiança para a criação de um novo modelo de relações internacionais ao nível estratégico. Dar resposta e resolver todos os problemas de dimensões bíblicas, como David Beasley do Programa Mundial de Alimentos lhes chama: fome mundial, a pandemia, a crise migratória, pobreza, e o subdesenvolvimento que afeta biliões de pessoas. A cooperação com a Iniciativa do Cinturão e Rota é a única framework prática, e prontamente disponível, para o desenvolvimento de soluções. Isto em vez de propor uma pomposa Ponte Global, algo que Ursula von der Leyen pretende tornar público nos próximos dias durante a sua visita a Washington, e que o Handelsblatt, o jornal alemão, carateriza como “muito abaixo das expetativas, sem qualquer listagem de prioridades ou de projetos concretos” e, da mesma forma, como uma “ocasião perdida”. Ao invés, as nações europeias e os Estados Unidos têm de aceitar cooperação win-win para uma comunidade partilhada, em prol de um futuro conjunto, aquilo de que o Presidente Xi Jinping tem vindo a falar.
Deixem-me fazer um ponto final. Para ultrapassar esta crise multifacetada sem precedentes, não precisamos apenas de um paradigma completamente novo em relações internacionais. Precisamos também de um estudo sem preconceitos dos motivos pelos quais a China tem sucesso económico e o Ocidente foi incapaz, ou indisponível, para desenvolver o setor em vias de desenvolvimento. Tem, acima de tudo, de haver um estudo sério sobre o seguinte: como é que foi possível, ao meu falecido marido, Lyndon LaRouche, prognosticar todos os aspectos da presente crise? Uma crise que ele, prescientemente, datou de volta à transição de paradigma cultural de 1964-72, quando houve a introdução da contracultura New Age, e, para a qual ele avisou em inúmeros artigos. Entre estes artigos, em 1998, “Como Pensar num Tempo de Crise” (“How to Think in a Time of Crisis”). Neste artigo, LaRouche afirmou que, se este paradigma não fosse revertido, viria, então, a ameaçar a existência da civilização global. Nestes artigos, LaRouche identificou a introdução de várias formas de relativismo cultural, com os T-Groups, a Rainbow Coalition, a divisão de toda a gente para com toda a gente a partir de qualquer diferença identificável (fosse de cariz étnico, de género, ou do que seja), o princípio de que vale tudo, algo que destruiria a sociedade a partir de dentro. Pensem no videoclip que vimos ao início da minha apresentação. A turba dionisíaca que, com efeito, pode evocar a suspeita de que invasores de corpos, vindos do espaço sideral, assumiram controlo sobre as mentes daqueles jovens: que talvez ainda tenham os corpos de humanos, mas cujos cérebros claramente não são desta espécie.
É portanto um desafio que aqui fica para todos os cientistas sérios ao longo do mundo. Investiguem porque é que Lyndon LaRouche foi tão absolutamente exato na sua prognosticação do timing e do caráter da atual crise de colapso global, que é uma crise financeira, monetária e económica. E, investiguem o método de economia física de LaRouche. Isto é essencial se queremos desenvolver o nosso planeta para que sustenha todos os seres humanos agora vivos, tal como aqueles que vão viver no futuro. Neste espírito, ajamos com base na assunção exultante de que somos a espécie unicamente criativa no universo: de que não somos Terranos, mas sim a espécie potencialmente imortal no universo. Muito obrigado.
* N. do T.: “Sanções Caesar” são sanções baseadas na “Lei Caesar”, uma lei passada no Congresso dos EUA em Junho de 2020, como parte da Lei de Autorização de Defesa Nacional. Derivam o seu nome de um indivíduo conhecido como “Caesar”, do qual é alegado ter denunciado supostos crimes de guerra pelo governo sírio.
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Tradução: Rui Miguel Garrido
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