O seguinte é uma tradução de material originalmente publicado na edição de 2 de Julho de 2021 da Executive Intelligence Review.
Helga Zepp-LaRouche
As Medidas de Emergência Que Têm De Ser Tomadas Agora!
Helga Zepp-LaRouche é a Presidente e fundadora do Instituto Schiller. O presente é uma transcrição editada da palestra de Zepp-LaRouche ao primeiro painel (“Quem os Deuses Destruiriam: Guerra com Rússia e China é Pior que MAD!”) da conferência de 26-27 de Junho de 2021 do Instituto Schiller: “Pelo Bem Comum de Todos, Por Oposição a Regras em Prol dos Poucos!” Os subtítulos foram adicionados.
Cumprimento-vos, amigos do Instituto Schiller, onde quer que se possam encontrar ao longo do mundo. Estes são tempos verdadeiramente extraordinários. Se os cidadãos médios de cada país estivessem cientes do quão perto estamos de guerra nuclear (algo que, se viesse a acontecer, levaria à aniquilação da civilização), tenho a certeza de que isso levaria a uma revolução global. Tivemos um momento extremamente perigoso a 13 de Abril deste ano, quando dois navios de guerra dos EUA estiveram prestes a entrar no Mar Negro, e uma grande massa de tropas russas foi mobilizada para a fronteira ucraniana.
Nessa altura, foi-lhes dito que estavam a brincar com o fogo, e os dois navios de guerra dos EUA voltaram para trás. E daí resultou, no rescaldo, a cimeira entre o Presidente Biden e o Presidente Putin; uma vez que houve, naturalmente, o reconhecimento da necessidade de um tal diálogo estratégico. E houve, nesta cimeira, uma reconfirmação muito importante; nomeadamente, a famosa frase, então dita pelo Presidente Reagan e pelo Presidente Gorbachev, de que uma guerra nuclear não pode ser ganha, e, portanto, nunca pode ser combatida.
Depois, a 23 de Junho, e no que foi uma típica provocação britânica (como se para sabotar este diálogo entre os Estados Unidos e a Rússia, antes que o mesmo possa dar origem a uma relação concreta pela qual estabelecer estabilidade estratégica), o HMS Defender, o destroyer da Marinha Real britânica, violou as águas territoriais russas no Mar Negro, na região do Cabo Fiolent. Desta vez, os navios russos de patrulha territorial dispararam salvas de aviso, e jatos russos levaram a cabo um bombardeamento de aviso sobre as águas na trajetória do HMS Defender; não bombardearam o destroyer, mas sim as águas na sua trajetória e, desta forma, forçaram o navio de guerra britânico a abandonar as águas territoriais da Federação Russa. Porém, isto causou alarme em todas as capitais e em todos os quartéis-generais militares ao longo do mundo, uma vez que as pessoas reconheceram o que isto podia ter originado.
Konstantin Gavrilov, chefe da delegação russa para a Negociação de Armas e Segurança em Viena, disse, “Avisei os ex-governantes das ondas”, o Império Britânico, “de que, da próxima vez, as bombas não serão largadas adiante do alvo, mas sim sobre o alvo.” Isto foi também confirmado pelo Ministro Adjunto das Relações Exteriores, Ryabkov. Este incidente não foi o único, mas foi certamente o mais provocativo até aqui. No último mês do ano passado, assistimos a todo um padrão de incidentes aéreos, e, no último ano, quase-colisões entre jatos da OTAN e aviões russos, ao longo da fronteira russa. Depois, as pessoas também estão muito conscientes da espada de Dâmocles, com provocações à volta das movimentações de Taiwan para independência, algo que poderá dar origem a ação militar chinesa e a uma possível guerra entre os Estados Unidos e a China.
Compreender porque é que isto está a acontecer, e o que precisa de ser feito para evitar uma catástrofe de contrário previsível, é de importância existencial. Se acreditarmos nos média institucionais do Ocidente, ou nos governos ocidentais, então eles estão do lado certo da História; são os defensores da ‘ordem baseada em regras’ do ‘mundo livre’, e de ‘valores ocidentais’ contra ‘regimes autocráticos’ como Rússia e China, que estão a cometer violações de direitos humanos uma após a outra, a envenenar os seus opositores políticos, a oprimir as suas populações com estados policiais, etc., etc. Mas o que torna tudo isto tão difícil para o cidadão comum é que, no período recente, desapareceram quaisquer standards de verdade histórica. O que vemos, ao invés, é uma luta para controlar as várias “narrativas.” Uma “narrativa” sendo uma versão arbitrária de um acontecimento.
Há pouco tempo atrás, no Global Times, estavam a discutir que os Estados Unidos estavam a “othering”[nota 1] a China, a estereotipá-la, e que isto serviria de prelúdio a um conflito à volta de Taiwan. Depois, citam o dicionário Merriam-Webster para explicar o significado de “othering”; nomeadamente, representar outra cultura como uma vasta massa uniforme, por oposição a um grupo diverso de indivíduos; assim fazendo com que esse grupo pareça menos humano que o grupo de pertença de quem faz a estereotipagem. Disto também se pode dizer que o “othering” de alguém ou de outro país é uma forma de criar um inimigo para uma guerra iminente. É isso que estamos a ver com as recentes campanhas anti-China, anti-Rússia.
Uma parte deste controlo da narrativa é a interpretação da História recente. Nisto, contam com a muito curta memória dos cidadãos, e circulam narrativas como “Putin anexou a Crimeia,” e, por essa lógica, o navio de guerra britânico não entrou nas águas territoriais da Federação Russa, mas sim nas águas da Ucrânia, e isso seria totalmente OK, legalmente.
Uma outra tal narrativa é a de que “a OTAN nunca prometeu à União Soviética ou a à Rússia que não se estenderia para leste.” Vamos dar uma vista de olhos a esta questão. Apenas há umas semanas atrás, em Maio, o Instituto Real de Relações Internacionais, também conhecido como Chatham House, em Londres, publicou um relatório intitulado “Mitos e Falsas Conceções no Debate sobre a Rússia.” Propuseram-se desmantelar 16 mitos. Em particular, o Mito #3 sobre a Rússia, de que o Ocidente prometeu a Gorbachev (em discussões sobre a reunificação alemã após a queda do Muro de Berlim em Novembro de 1989) que nunca expandiria a OTAN para leste.
Na Figura 1, podem ver uma foto de Gorbachev com vários outros interlocutores, nessa altura. Em 2017, o Arquivo de Segurança Nacional na Universidade George Washington publicou um relatório contendo 30 documentos desclassificados, anexados sob o título “Expansão OTAN: Aquilo que Gorbachev Ouviu”, que contém as evidências claras daquilo que foi prometido a Gorbachev, e do modo como o mesmo foi repetidamente enganado.
Por exemplo, Stepanov-Mamaladze (o intérprete do Ministro soviético das Relações Exteriores, Shevardnadze), nas suas notas de Fevereiro de 1990, refletindo as garantias do Secretário de Estado dos EUA, Baker, a Shevardnadze, durante a conferência de Céus Abertos de Ottawa, “E se uma Alemanha unificada permanecer na OTAN, nós devemos garantir a não-expansão da sua jurisdição para o Leste”. Também, o Presidente George H.W. Bush garantiu a Gorbachev, na cimeira de Malta, em Dezembro de 1989, que os EUA não instrumentalizariam as revoluções da Europa de Leste para contrariar interesses soviéticos. E, ainda, a 31 de Janeiro de 1990, o Ministro alemão das Relações Exteriores, Genscher, deu um discurso importante em Tutzing, Baviera, para o efeito de que o processo de unificação alemã não prejudicaria interesses de segurança soviéticos; como tal, a OTAN excluiria a possibilidade de qualquer expansão para Leste, i.e. a de se vir a expandir para mais perto da fronteira soviética.
É um fato que a formulação “mais perto da fronteira soviética” não foi mencionada em tratados. Porém, foi mencionada em múltiplos memorandos e conversações entre os soviéticos e os interlocutores de maior nível, como Genscher, Kohl, Baker, Gates, Bush, Mitterrand, Thatcher, Major, Werner, e também o Embaixador Matlock e Teltschik, entre outros.
A Figura 2 é um memorando enviado por Gorbachev a Baker, a 9 de Fevereiro de 1990. Baker disse, “O Presidente e eu tornámos claro que não procuramos vantagem unilateral neste processo.” Aqui, à esquerda, podem ver o facsimile destas notas. A 10 de Fevereiro de 1990, Gorbachev disse a Kohl que o futuro da Alemanha no lar comum europeu era mais importante, e, portanto, que a fórmula Tutzing de Genscher seria relevante. Kohl, do seu lado, garantiu a Gorbachev que a OTAN não expandiria as suas esferas de atividade, e nessa altura até houve conversa sobre uma estrutura de segurança a incluir a União Soviética. Existem 30 tais documentos, e as lideranças da União Europeia, que participaram nestes processos à altura, obviamente têm amnésia política, ou estão a mentir quando insistem no contrário.
Nós, o movimento LaRouche, não somos comentadores sobre este período, uma vez que desempenhámos um papel muito ativo a apresentar uma solução económica à crise em Janeiro de 1990, após a queda do Muro..
Apresentámos o Triângulo Produtivo de Paris, Berlim e Viena, na Figura 3, que era a ideia para levar desenvolvimento económico, através de corredores, aos países do Comecon. Em 1991, apresentámos a Ponte Terrestre Eurasiática, Figura 4, que podia ter sido um plano de paz para o século 21, e que está agora a materializar-se na forma de uma nova Rota da Seda.
A Rede da Ponte Terrestre Global—Nexos e Corredores Essenciais
Porém, e enquanto as promessas estavam a ser feitas, já estavam em preparação planos para um mundo unipolar. Nos Estados Unidos, os neo-conservadores formaram o PNAC, o Projeto para o Novo Século Estadunidense. Daí, planearam o restabelecimento de um mundo unipolar, através de ‘golpes de poder popular’ (‘color revolutions’), e mudanças de regime. Depois, houve o famoso discurso pelo Primeiro-Ministro britânico, Blair, em 1999, em Chicago, onde ele praticamente disse que, daqui em diante, a Paz de Vestfália está obsoleta; a lei internacional deixa de estar em existência. Ao invés, temos o direito de proteger, e teremos guerras constantes para intervencionismo humanitário.
Portanto, foram em frente com isso. E, como Putin mencionou (no seu recente artigo por alturas do 80º aniversário da invasão nazi da União Soviética, a 22 de Junho de 1941, onde também relembrava estas promessas quebradas), houve cinco vagas de expansão OTAN, incluindo ao longo das antigas repúblicas soviéticas. Catorze novos países juntaram-se à OTAN, e a muitos países foi dada a escolha artificial entre ir com o Ocidente coletivo, ou com a Rússia.
Foi este processo que levou à tragédia ucraniana de 2014, onde o Ocidente apoiou abertamente um golpe que trouxe nazis a uma posição de poder no governo e no exército. Todos nos lembramos das palavras infames de Victoria Nuland, que se gabou de que o Departamento de Estado tinha gasto $5 biliões em ONGs na Ucrânia, no caminho para esse momento. E, o voto do povo da Crimeia, de coalescência com a Rússia, foi o resultado e a resposta a esse golpe nazi em Kiev. E essa História tem de ser esclarecida.
No seu todo, a expansão da OTAN para leste foi entre 800 quilómetros (da fronteira da Alemanha Ocidental à fronteira oriental polaca, com a Bielorússia) e 1000 quilómetros (entre a fronteira oriental norueguesa e a fronteira oriental da Estónia).
A ideia de um mundo unipolar, que é baseada na “relação especial” entre os britânicos e os Estados Unidos, inclui a ideia de que o mundo inteiro devia ser gerido sob globalização, um império global. Por essa altura, em 1989, Fukuyama disse que isto seria o fim da História, que o mundo inteiro adotaria o modelo democrático ocidental.
É da natureza dos impérios que tendam a expandir-se excessivamente, e é exatamente isto que aconteceu. Há repercussões significativas. É preciso colocar questões, será que todas estas guerras constantes que aconteceram desde então valeram realmente a pena? Foram todas nos interesses dos Estados Unidos, ou não?
Vamos olhar para uma ou duas delas. Os Estados Unidos e a OTAN estão agora prestes a remover a maior parte das suas tropas do Afeganistão, após 20 anos de guerra. Já em 2019, as pessoas devem lembrar-se disso, o Washington Post tinha publicado os Afghanistan Papers. Isto foram 2000 páginas obtidas através de procedimentos previstos na Lei de Liberdade de Informação, com entrevistas a 400 insiders, que ofereceram testemunhos impiedosos sobre as mentiras do suposto sucesso no Afeganistão. A absoluta incompetência na condução desta guerra, na qual 2,400 soldados dos EUA tinham perdido as suas vidas até 2019; outros 20,589 tinham sido feridos, e, no total, tinham sido perdidas 157,000 vidas. Os Afghanistan Papers citam, por exemplo, Rumsfeld, que disse, “Não faço ideia de quem o inimigo é.” Citam o General Lute, “Não fazíamos ideia de com o que estávamos a lidar, do que era suposto concretizarmos.”
Mesmo após a publicação dos Afghanistan Papers, a presença da OTAN no Afeganistão continuou por mais dois anos. Em tempos recentes, o Primeiro Ministro Imran Khan do Paquistão disse “Não” ao pedido dos Estados Unidos para montar bases no Paquistão, a partir das quais levar a cabo operações dentro do Afeganistão. Se a mais poderosa máquina militar na História não conseguiu ganhar esta guerra em 20 anos, então não há, obviamente, qualquer propósito em ter bases no Paquistão para continuar tudo isto.
Vamos olhar para outro caso. Todos nos lembramos que Nancy Pelosi, em resposta a um membro do público (na sua reunião pública de 5 de Dezembro de 2019, que foi reportada pela CNN), admitiu que, na sua capacidade como Membro Sénior do Comité [da Câmara de Representantes] de Inteligência, sabia que a Guerra no Iraque era baseada em premissas falsas. Ela disse, “Portanto, eu sabia que não havia armas nucleares no Iraque. Simplesmente não havia.” O Gang de Quatro, um grupo no Congresso que normalmente é informado sobre questões de inteligência, todos os dados de inteligência que têm, pois bem, a inteligência não mostrava nada para esse efeito: “Portanto, eu sabia que era uma falsa representação para o público.”
É muito claro que, se Pelosi sabia, então isso significa que todos os responsáveis de governo da administração Bush também sabiam. A 5 de Fevereiro de 2003, o Secretário de Estado Colin Powell disse, numa apresentação ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, que tinha provas sólidas do uso secreto de armas de destruição maciça por Saddam Hussein:
Uma das coisas mais preocupantes que emerge do espesso ficheiro de informações que temos sobre as armas biológicas do Iraque, é o da existência de instalações móveis de produção, usadas para criar agentes biológicos. Deixem-me apresentar-vos esse ficheiro de informações, e partilhar convosco aquilo que sabemos a partir de testemunhas no terreno. Temos descrições em primeira mão, fábricas de armas biológicas sobre rodas e em carris. Os camiões e as carruagens ferroviárias são facilmente mobilizados, e são criados para evadir deteção por inspetores. Em apenas meses, conseguem produzir veneno biológico em quantidades equivalentes à totalidade daquela que o Iraque alegava ter produzido, nos anos antes da Guerra do Golfo.
Eu não sei como é que Colin Powell consegue viver consigo mesmo, porque, como Lawrence Wilkerson deu a entender, todos eles sabiam, antes do fato consumado, e Pelosi admitiu, que tudo isto eram mentiras. De acordo com Lawrence Wilkerson, que à altura era o Chefe de Staff de Powell, ele disse que Powell entrou no gabinete do próprio Wilkerson, e disse-lhe, “Pergunto-me como é que nos vamos sentir se pusermos meio milhão de tropas no Iraque, e os marcharmos de um lado ao outro do país, e não encontrarmos nada?”
Na guerra no Iraque, morreram entre 150,000 e 1 milhão de pessoas, dependendo da avaliação para a qual se olhe. Esta guerra custou $2.1 triliões; isto é só o Iraque. O país permanece absolutamente devastado até aos dias de hoje.
Olhemos para outro caso. Estamos agora no 50º aniversário da publicação dos Pentagon Papers, o que foi um estudo altamente confidencial sobre a guerra no Vietname, que, de acordo com o New York Times, demonstrava que a administração Johnson, tinha mentido sistematicamente ao público e ao Congresso dos EUA. Daniel Ellsberg, um dos autores deste estudo, fez com que os documentos chegassem ao New York Times e ao Washington Post. Após a injunção do Departamento de Justiça, Ellsberg abordou vários membros do Congresso, que o mandaram para trás. Ellsberg deu depois os documentos ao Senador Mike Gravel, que, naquilo que foi uma operação espetacular, leu os documentos em sessão legislativa, conseguindo, dessa forma, inseri-los no Registo Congressional. Mike Gravel é um herói por essa razão, e congratulamo-lo, uma vez que trabalhou com o Instituto Schiller em questões muito importantes.
O Presidente Johnson tinha argumentado que o propósito da Guerra no Vietname era o de assegurar um Vietname independente e não-comunista. Porém, tanto o Secretário Adjunto de Defesa, John McNaughton, como o próprio Secretário da Defesa, Robert McNamara, admitiram que o propósito real era o de conter a China. A administração Johnson tinha alargado o espetro da operação com raides costeiros ao Vietname do Norte, e com ataques do Corpo de Fuzileiros. Todas estas coisas foram ignoradas pelos média institucionais. Como o mundo inteiro sabe, esta guerra também foi um completo desastre.
Ainda há pouco tempo, o mesmo Ellsberg, agora nos seus 90 anos, escreveu sobre outra intervenção. Dado que, durante essa mesma altura dos Pentagon Papers, Ellsberg também copiou outro estudo confidencial, que mostrava o quão seriamente os militares dos EUA encaravam a ameaça de guerra nuclear durante a crise de Taiwan em 1958. Este estudo passou quase completamente despercebido durante 50 anos, até que, em 2017, Ellsberg publicou o estudo online, com o New York Times a dar-lhe destaque no último mês. O contexto para isto é o presente aquecimento da crise sobre Taiwan. Os jogos de guerra realizados em 1958 revelaram que os Chineses ganhariam uma guerra convencional por Taiwan, e que hoje isto levantaria (tal como consideraram os comandantes dos EUA em 1958) a questão de recurso a armas nucleares pelos Estados Unidos.
Um estudo suprimido sobre a crise de 1958 (que foi escrito em 1966 por Morton Halperin para a Rand Corporation, e foi desclassificado em 1975, com uma passagem removida), sugeria que os líderes militares seniores (incluindo o General Nathan Twining, Presidente do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos) acreditavam que o recurso a guerra nuclear era inevitável. Ataques nucleares a localizações no interior da China seriam uma resposta necessária.
Portanto, Ellsberg apelou a mais denunciantes para que falassem em público sobre o presente debate sobre esta questão no seio de meios militares dos EUA. Um tal denunciante fez precisamente isso. Franz Gayl, que até recentemente era o conselheiro científico para o Corpo de Fuzileiros dos EUA, a trabalhar no Pentágono, publicou dois artigos de opinião no Global Times, que é mais ou menos um jornal oficial do governo chinês. O título de um destes artigos é “Porque é que os EUA Perderão uma Guerra com a China sobre a Ilha de Taiwan.”
O Washington Post de 13 de Junho reporta esta questão, e também se debruça sobre os debates geopolíticos que estão a tomar lugar no Pentágono sobre o modo como estamos possivelmente a deambular inadvertidamente para uma guerra entre os Estados Unidos e a China. Franz Gayl disse, “Porque é que eu havia de escrever um artigo de opinião para um jornal comunista, e não será isso um desaforo, vindo de um funcionário público?” Depois, refere-se aos debates sobre se os Estados Unidos deveriam mudar a sua estratégia de longo termo para com Taiwan, de “ambiguidade estratégica” para “clareza estratégica”, de que os Estados Unidos defenderão Taiwan. Esta questão foi deixada ambígua por muitos anos, e agora será supostamente tornada certa se uma guerra for despoletada.
Obviamente, a Lei de Relações com Taiwan deu um encorajamento aos secessionistas renegados, e, ao contrário dos Estados Unidos, que abandonaram o aliado vietnamita após 60,000 estadunidenses terem sido mortos lá, a China (à luz da História dos últimos 200 anos) nunca desistirá de Taiwan. É o que é argumentado por Franz Gayl. Gayl foi suspenso no entretanto, já não tem autorizações de segurança, mas disse que vale absolutamente a pena, uma vez que, do seu ponto de vista, “Estamos a ficar sem tempo como país.”
Numa recente cimeira da OTAN em Bruxelas, a 14 de Junho, foi tornado muito claro que, com a Agenda 2030 da OTAN, há planos para construir uma OTAN global. Eles querem manter a política de portas abertas para construírem mais parcerias com mais países, tornados membros, de modo a que o Artigo V possa ser aplicado.
Na lista de alvos para a transformação de parceiros em membros potenciais estão a Suécia, a Finlândia, a Geórgia, a Ucrânia (não obstante um certo desencanto de Presidente Biden para com Zelensky), Bósnia-Herzegovina, países em África e no Indo-Pacífico. E há também parcerias reforçadas com Austrália, Japão, Nova Zelândia, Coreia do Sul, e Índia. Como sempre, isto é dirigido contra Rússia e China, que são caraterizadas como ameaças e como um desafio à “ordem baseada em regras”.
E, como a cimeira de Bruxelas também falou do Plano de Ação 2030 da OTAN para Alterações Climáticas e Segurança, está a tornar-se claro, e foi declarado, que a OTAN se torna agora na principal organização internacional a compreender e a adaptar-se ao impacto das alterações climáticas e da segurança. Querem fazer parte da redução das emissões de gases de estufa originadas por atividades militares, atingindo emissões net zero até 2050, [e trazendo] considerações sobre alterações climáticas ao espetro total do trabalho da OTAN. A OTAN vai publicar o seu primeiro Relatório de Progresso em Alterações Climáticas e Segurança durante a cimeira de 2022, para rastrear progressos e reavaliar o nível de ambição.
O que é que está a acontecer aqui? Da Organização do Tratado do Atlântico Norte a potência militar global a promover a agenda das alterações climáticas? Como é que estas coisas se encaixam umas com as outras? Não é surpreendente quando se olha para as sobreposições entre interesses militares e financeiros. Ainda há pouco tempo publicámos um relatório sobre o Grande Reinício, onde mostrámos que Wall Street e a City de Londres estão por detrás da agenda climática.
A 25 de Abril, o jornal alemão Welt am Sonntag publicava um extenso artigo, e gráficos, também a revelar a completa sobreposição de bancos de investimento, fundos especulativos, organizações Verdes, o Fundo Mundial para a Vida Selvagem, Sextas-Feiras para a Natureza, instituições de estudo e planeamento, etc. Isto tem de ser complementado com uma completa sobreposição entre os interesses financeiros da City de Londres e Wall Street, com o complexo militar-industrial, como o Presidente Eisenhower lhe chamou, no seu discurso de despedida à nação em 1961.
Este complexo militar-industrial, ou MIC[nota 2], que Ray McGovern, de que ouviremos falar mais adiante veio a chamar o MICIMATT (ou, complexo Militar-Industrial-Congressional-Inteligência-Média-Academia-Institutos de Estudos e Planeamento[nota 3]) está [descrito num] livro muito útil, intitulado Compreendendo a Indústria de Guerra, por Christian Sorensen, e que documenta a relação simbiótica entre a indústria de guerra e a “indústria” financeira. Vale bem a pena ler. Sorensen só está enganado nas soluções que propõe para isto, porque acredita que o complexo militar-industrial pode ser desmantelado com o New Deal Verde, e passa completamente por cima do fato de que o New Deal Verde é a política desse complexo.
Por exemplo, os cinco principais investidores na Lockheed Martin são algumas das firmas financeiras de topo em Wall Street. A State Street Corporation, o Vanguard Group, a BlackRock (que, já agora, faz a gestão de $8 triliões em fundos de investidores), a Capital World Investors, e o Wellington Management Group. Renée Sigerson, numa recensão literária (que será publicada em breve) deste livro de Sorensen, aponta que estes mesmos cinco investidores são os proprietários de largas proporções das shares de todas as quatro grandes firmas de produção militar nos Estados Unidos.
E, também, as mega-firmas de Silicon Valley estão entrelaçadas com o aparato de vigilância dos serviços de inteligência, que vimos em ação no Russiagate (a tentativa, dirigida pelos britânicos, de golpe contra o Presidente Trump). E, todos os institutos anti-Rússia e anti-China estão em sintonia com esta política.
Por exemplo, um destes institutos, o Conselho Atlântico, publicou recentemente o estudo de um alto oficial governamental anónimo, com o título, “O Telegrama Mais Longo”, que apela abertamente ao derrube do Presidente Xi Jinping.
Uma parte disto são as relações incestuosas entre firmas de Wall Street e o Congresso; entre o Pentágono e a indústria militar; entre a comunidade de inteligência e os média, etc., etc.
Por exemplo, em 2013, a General Dynamics colocava, no seu Quadro de Diretores, aquele que tinha sido o anterior Comandante do Comando Central dos EUA, o General James Mattis. Isto foi uma posição muito lucrativa para Mattis, que fez $1 milhão durante o seu tempo na General Dynamics. Depois, foi testemunhar perante o Congresso que a redução da despesa militar era uma ameaça à segurança nacional dos EUA. Depois, tornou-se Secretário da Defesa em 2017; continuou as guerras constantes; supervisionou vendas de armas a países na Europa e no Médio Oriente, à Austrália, e também a outros; em Janeiro de 2019, abandonou a posição de Secretário da Defesa, e, em Agosto, voltou a ingressar no Quadro da General Dynamics.
E, para garantir que os média estão na linha, Clapper, o ex-chefe da CIA, está agora na MSNBC, e o ex-Diretor de Inteligência Nacional, James Clapper, está agora a trabalhar para a CNN.
Tanto Gorbachev como Putin compararam recentemente os Estados Unidos à União Soviética; que os Estados Unidos seguiriam um cenário típico de um império. Confiando no seu poder ilimitado, os impérios criam problemas desnecessários para si mesmos, até ao ponto em que já não conseguem lidar com esses problemas. Uma das razões que contribuíram para o colapso da União Soviética foi, se se lembrarem, a negligência de investimento em infraestrutura básica e na parte civil da economia, para vantagem do aparato militar e de segurança.
O MICIMATT tomou controlo sobre uma boa porção da economia dos EUA, em detrimento de infraestrutura, e está a colapsar a economia real: escolas, educação. E, aquilo que vemos nos Estados Unidos é um tipo de acumulação primitiva no sentido que foi debatido por Yevgeny Preobrazhensky para a União Soviética nos 1920s; com a exceção que não é tão legítima como Preobrazhensky pensava nessa altura.
Agora, olhemos para o que Eisenhower disse no seu discurso de despedida, em 1961:
Fomos compelidos a criar uma indústria de armamentos permanente e de vastas proporções. Adicionalmente a isto, três milhões e meio de homens e mulheres estão diretamente envolvidos nas estruturas de defesa. Gastamos, anualmente, em segurança militar, mais que o rendimento agregado de todas as corporações dos Estados Unidos.
Esta conjunção, entre um imenso sistema de defesa, e uma enorme indústria de armamentos, é algo de novo à experiência estadunidense. A influência total (económica, política, até espiritual) é sentida em cada cidade, em cada governo estadual, em cada gabinete do governo federal. Reconhecemos a necessidade imperativa por este desenvolvimento. Porém, não podemos deixar de compreender as graves implicações do mesmo. O nosso trabalho, os nossos recursos, e a nossa subsistência, estão todos envolvidos; tal como a própria estrutura da nossa sociedade.
Nos conselhos de governo, temos de guardar o país contra a aquisição de influência injustificada, seja essa influência procurada ou não, pelo complexo militar-industrial. O potencial para a ascensão desastrosa de poder deslocado existe, e persistirá.
Nunca podemos deixar que o peso desta combinação ameace as nossas liberdades ou processos democráticos. Não podemos tomar nada por garantido; só uma cidadania alerta e conhecedora pode compelir a apropriada coalescência entre a enorme maquinaria industrial e militar de defesa, e os nossos métodos e propósitos pacíficos, de modo tal a que liberdade e segurança possam prosperar lado a lado.
Logo, a questão urgente hoje é, será que este MICIMATT e os seus equivalentes na Grã-Bretanha e na OTAN em geral, que até aqui têm vivido do princípio de guerra constante (uma vez que é isso que lubrifica esta máquina), continuarão e expandir-se-ão, globalizar-se-ão, e, muito em breve, acabarão numa confrontação que seria o fim da civilização?
Ainda que as pessoas possam pensar que o que eu vou dizer agora é utopiano, há uma proposta alternativa absolutamente concretizável. É, em princípio, se não em detalhe, aquilo que Lyndon LaRouche propôs em 2005, para salvar a indústria automóvel dos EUA, e o que foi publicado como “A Lei de Recuperação Económica de 2006”, um plano abrangente para converter vastas proporções das capacidades industriais dos Estados Unidos. Os Estados Unidos e a Europa estão agora a sofrer de uma variedade de problemas que podem ser remediados. A Sociedade Estadunidense de Engenheiros Civis disse, já há vários anos, que são necessários $4.5 triliões em investimento infraestrutural. É facilmente possível duplicar (ou ainda mais) esse número, dado que temos um colapso severo em infraestrutura em fim de vida; pontes inseguras, buracos nas estradas e nas autoestradas, e assim sucessivamente.
Em todos os Estados Unidos, não há sistema ferroviário rápido. Os Estados Unidos têm umas ridículas 30 milhas onde a velocidade dos comboios ascende até 150 milhas à hora. Trinta milhas, em comparação com 40,000 quilómetros de sistema ferroviário rápido na China, onde a velocidade pode ir até 350 quilómetros por hora, e que está a testar maglev a 600 quilómetros por hora.
O que precisamos de fazer é, estabelecer um grupo de trabalho nacional, que tem de juntar engenheiros qualificados no mais avançado design de máquinas-ferramentas, e calcular os prerequisitos para converter a maior parte das capacidades de produção militar à produção de infraestrutura moderna: um moderno sistema ferroviário rápido; centrais nucleares; novas cidades da ciência; e assim sucessivamente. Os modelos para isto podem ser a Corporação de Reconstrução Financeira e a sua emenda, a Lei da Corporação de Manufatura de Defesa de 1940, pelas quais milhares de fábricas (incluindo fábricas automóveis) foram na altura convertidas a produção de defesa. Desta vez, podia ser tomada a direção inversa, para produção civil.
Todo o sudoeste dos Estados Unidos tem sido afligido ao longo de anos por secas continuamente maiores, que podem ser remediadas por programas de gestão hídrica como NAWAPA XXI, que criaria corredores de água potável, seria o modelo de referência para um novo sistema de infraestrutura, e permitiria produção de centrais de fissão nuclear, dessalinização de água oceânica, uma expansão da produção agrícola, e novas cidades da ciência.
A Figura 5 providencia um modelo (baseado em encantadora proporção renascentista italiana, na pintura A Cidade Ideal) para uma nova cidade da ciência para os Estados Unidos, para fazer o ponto de que estas novas cidades da ciência podem também ser muito belas.
Isto é apenas uma estimativa aproximada, mas há aproximadamente 6.1 milhões de pessoas hoje empregadas no complexo militar-industrial, sem contar com os outros aspetos do MICIMATT, como sejam os institutos de estudos e planeamento em intelligence, os média, e assim sucessivamente. Será possível que uma proporção desta força laboral altamente qualificada possa ser mobilizada para a reconstrução económica dos Estados Unidos?
Isto tem de ser combinado com as Quatro Leis de LaRouche: uma separação bancária Glass-Steagall, a implementar globalmente; um banco nacional em cada país; um sistema de crédito na forma de um novo Bretton Woods, como intencionado por Franklin D. Roosevelt, e não como foi implementado por Truman e Churchill; novas plataformas económicas através de cooperação internacional em investigação para energia de fusão; cooperação em investigação espacial entre todas as nações envolvidas em exploração espacial. Uma tal mudança em pensamento tem de começar com o acordo, entre as principais nações no mundo, para colaboração na construção de um sistema global de saúde para combater a pandemia; nomeadamente, um sistema de saúde moderno em cada país. Isto será o tema dos nossos painéis de amanhã.
LaRouche antecipou as reações às suas propostas, e disse, num discurso a 27 de Março, 1998:
Há uma óbvia objeção a esperar da maior parte dos críticos. A objeção recorrente será a de que uma tão súbita e radical abordagem é politicamente impossível. Talvez seja que esses críticos tenham razão. Talvez seja provado impossível encontrar um número significativo de governos disponíveis para implementar medidas tão radicais no curto prazo. Se esses críticos estiverem certos nesse ponto, então a civilização não sobreviverá ao presente século na sua presente forma. Se esses críticos estiverem certos, então as primeiras gerações do século vindouro serão relegadas a uma nova idade das trevas à escala planetária. Uma catástrofe como a que a Europa experienciou ao longo de meados do século 14 mas, desta vez, à escala global.
Portanto, eu responderia a tais críticos com a seguinte apaixonada recomendação: deixem que aqueles líderes políticos aos quais falta a vontade para levar a cabo as medidas que propus, saiam do caminho, e passem a autoridade de ação àqueles de nós que estão disponíveis para implementar estas medidas, e para o fazer rapidamente.
O futuro imediato desta civilização, se é para que venha a ter um futuro imediato, está nas mãos daqueles que estão disponíveis para agir com pungência e resolução, ao longo das linhas que indiquei. Estando isto dito, sejamos otimistas. Abstraiamo-nos das vozes desses críticos inúteis, e concentremo-nos nas ações que têm de ser levadas a cabo para evitar a catástrofe de colapso económico que ameaça esmagar-nos no futuro próximo.
Infelizmente, os avisos de LaRouche não foram tomados a sério durante a sua vida. Talvez tenha implicado chegar à beira de apocalipse nuclear, e à pandemia, para que as pessoas realizassem que temos de “ouvir as palavras sábias de Lyndon LaRouche”, como o antigo presidente mexicano López Portillo notou no ano do discurso de LaRouche que acabei de citar. Obrigado.
[nota 1] “Othering”, ou seja, uma forma específica de estereotipagem negativa, de criação de estereótipos negativos (N. do T.)
[nota 2] i.e. “Military-Industrial complex”
[nota 3] i.e. “Military-Industrial-Congressional-Intelligence-Media-Academia-Think-Tank complex”
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Tradução: Rui Miguel Garrido
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